Quarto capítulo: O Caminho da Ilusão
(parte I).
Eu
só queria uma chance para falar,
Quebrar
o silêncio,
Verdades
que você nunca quis escutar,
Que
guardo em meu peito.
E
se o que eu sinto é tudo que você quer,
Abra
seus olhos,
Porque
você procura em outro alguém qualquer...
Eu
sou o disco que você não quer mais ouvir,
Sabendo
que vai doer,
Sabendo
que é sobre você.
Eu
sou a história que você não quer mais contar,
Sabendo
que é sobre nós dois,
E
o que aconteceu depois,
Do
nosso...
-Alyson?
-Oi, o que, onde?
-Você estava cantando… –Declarou
Cloe.
Ela piscou os olhos, que ficaram
fechados por um bom tempo desde que começou a ouvir música. Devia estar
realmente viajando quando começara a cantar a música “Silêncio” do NX0. Nunca
que ia começar a cantar num avião, com as duas melhores amigas, o namorado e um
estranho, se estivesse no seu juízo perfeito.
-Desculpem-me. Já parei.
-Está se desculpando por quê? Sua voz
é linda. –Afirmou Ken, que estava um pouco atrás.
-Pare com isso.
-O quê?
-De tentar me agradar.
-Tenho cara de quem mentiria sobre
esse tipo de coisa?
-Quer que eu responda com
sinceridade?
-Não precisa…
-Ele está falando sério, Ly, você
canta muito bem. –Gritou Crós, da cabine de controle. –Eu até me permitiria
bater palmas… Se as minhas mãos não estivessem ocupadas, claro.
-Me “acordaram” por causa disso?
-“Acordamos” você porque estamos
quase chegando. Só precisamos de um lugar para pousar. –Ken explicou,
continuando: -Aliás, você não disse que estava agitada demais ontem para
descansar?
-Pois é… Esquece isso. –Ela alegou,
levantando-se e chegando perto dele.
-Pode deixar. Tenho coisas mais
importantes para pensar. Como me virar no tal “teste”… -Ele fez o sinal de
aspas com as mãos. -… do Crós, por exemplo.
-Vocês estão mesmo decididos a fazer
isso, não é?
-Temos que ser realistas aqui… Eu não
sei se posso viver sentindo a sua falta… Crós está nos dando uma grande
oportunidade, porque os que vão participar do “teste” estavam em uma lista
muito… seleta. Se eu não fizer isso, dificilmente vamos voltar a nos ver. E,
pessoalmente, nem eu, nem as meninas estamos dispostos a perder você. Então,
esse é o jeito que eu encontrei de evitar a nossa separação.
-Não quero que nenhum de vocês se
machuque… –Ela argumentou, baixando a voz: -Acha que é só você que tem o
direito de se preocupar? Se algo acontecer com vocês vou me culpar pelo resto
da vida… Que pelo visto nem muito longa vai ser.
-Pare de ser tão pessimista. Vou
tomar cuidado, e cuidar delas também. –Ken replicou, no mesmo tom de voz.
-Faria isso se fosse outra pessoa no
meu lugar?
-Talvez. Mas por você… Eu realmente
faço qualquer coisa. Eu seguiria você até o inferno se fosse necessário.
Alyson revirou os olhos: -Deixe de
ser tão exagerado... Até porque duvido muito que eu vá para o inferno, mesmo
que seja pelas minhas próprias pernas e vontade.
-Você entendeu… Sabe que tenho que
fazer isso.
-Vou com você…
-Sentem-se, consegui a permissão para
pousar. –Alertou Crós.
-Resolvemos isso depois, está bem?
–Ken acariciou o rosto dela por alguns segundos e a abraçou com força. –Tenho
algo para resolver agora… Não se assuste. –Disse por fim, soltando-a.
-Me assustar com o quê?
Ken foi interrompido por um solavanco
violento que o fez dar um encontrão na parede, por pouco não acertando Alyson,
que por sua vez tinha desequilibrado e, se não fosse pelo instinto de gato,
teria caído feio.
-Você está bem? –Questionou ela para
Ken.
-Eu acho. E você?
-Idem. Está tudo no seu devido lugar…
Os ossos, principalmen…
Outro solavanco e os dois foram ao
chão. Um gemido, e Ken percebeu que, desta vez, ela havia quebrado algo. –Crós!
–Resmungou, enquanto se colocava sentado, ao lado de Alyson, que apertava o
nariz com força, resmungando algo como “droga, acho que quebrei o nariz”, e via
o sangue esparramar-se nas mãos dela.
-Eu disse para sentarem, não disse?
–Ponderou o feiticeiro.
Os dois se entreolharam e partiram um
para cada lado, temendo outra colisão. –Já vamos.
Ken sentou-se na cadeira do co-piloto
e botou o cinto, olhando de relance para trás. –Não podia ter um pouco mais de
cuidado?
-O que eu posso fazer se vocês não me
ouvem? A Ly está bem?
-Ela acha que quebrou o nariz… -Um
grito vindo da parte de trás mostrou que isso era evidente. –É, ela quebrou
sim.
-Maravilha. –Uma outra guinada brusca
mostrou que eles tinham conseguido chegar ao solo. Seria um milagre se o
hidroavião ainda estivesse inteiro. E, depois de tantas lombadas e da
aterrissagem forçada, Ken duvidava fielmente que isso fosse possível.
Todos deixaram o transporte, Alyson
com a cabeça levemente inclinada para trás, com um chumaço de algodão
absorvendo o sangue que saía em abundância do nariz ferido, carregando a
mochila nas costas e com o fone do MP3 pendurado incomodamente nos ombros. Cloe
vinha ao seu lado, segurando a caixa de primeiros socorros, com sua mochila
pendendo de um dos lados, dando um chumaço de algodão limpo para Alyson quando
esta precisava. Sacha estava um pouco atrás, e pelo tom esverdeado que o seu
rosto fino exibia, não devia estar passando muito bem. No fim vieram Crós e
Ken. O primeiro indiferente e o segundo com uma carranca mal-humorada e os
cabelos desarrumados.
Cloe parou a metros de distância do
hidroavião e virou-se. As partes inferiores do avião, que deveriam deslizar
sobre a água, foram arrancadas, e seus destroços se espalhavam a quase três
metros de distância da aeronave. –Meu avião…
Cabum!!!
A explosão ocorreu tão de repente que
todos deram graças por terem saído rápido, e se afastado mais rápido ainda.
Cloe fitou os escombros, perplexa, e conseguiu murmurar num silvo: -Meu pai vai
me trucidar.
-Desculpe. –Pediu Crós. –Não sou
muito especialista em pousos de emergência.
-Deixe para lá… Não sou muito ligada
a coisas materiais mesmo.
-O que houve? –Questionou Ken.
-Sei lá, estava tudo bem e
repentinamente eu perdi a maior parte do controle que eu tinha sobre a máquina.
-Como se você já tivesse muito
controle, né? –Reclamou Alyson, com uma voz estranha, prova que a lesão tinha
sido séria.
-Pare de reclamar, se estivesse
sentada no seu banco isso não teria acontecido. Agora sossegue, deixe-me ver se
machucou muito. –Ele chegou na sua frente e tocou o nariz partido, fazendo-a
dar um grito de dor.
-Se continuar desse jeito vou chegar
a Diamante sem uma gota de sangue no corpo. Não teriam me ressuscitado para eu
morrer de hemorragia, que diferença pode fazer uma heroína morta? –Resmungou a
jovem, saindo de perto do mago, que a puxou novamente pelo braço e retrucou:
-Não se mexa.
-O que você vai fazer?
-Nada de mais… Só isso aqui. –Antes
que ela pudesse evitar, Crós agarrou o nariz dela e torceu. Ouviu-se um “crack”
desagradável e mais um berro de dor, e a garota deu alguns passos para trás,
deixando-se cair sentada, segurando com força o nariz arrebentado.
-Filho da…
-Olha pelo lado positivo, agora ele
está no lugar certo. –Comentou Crós, ouvindo a menina choramingar baixinho.
–Quer que eu limpe o sangue também?
-Não, fique longe de mim, seu sádico
insensível!
-Sádico e insensível, eu?
Ela lançou-lhe um olhar quase
homicida. –Não podia ter me curado de um jeito menos doloroso como, por
exemplo, aquele feitiço que você usou em mim antes?
-Não temos tempo para isso. –Disse.
–Até porque eu sou um sádico, homicida cruel que salvou a sua vida só para ter
o prazer de te matar com as minhas próprias mãos.
Os outros três riram discretamente com
a zombaria, e Alyson sibilou algo como “vai ter volta”, levantando-se, virando
as costas e tentando tirar as placas de sangue coagulado do rosto com algodão
embebido em álcool.
Eles se puseram a caminho do
Stonehenge, que despontava a alguns metros de distância do grupo, sob o sol
nascente das 7 horas. Alyson ia atrás dos outros, ainda reclamando baixinho e
para si mesma do nariz quebrado. Ken reparou nisso e parou instantaneamente,
esperando que ela emparelhasse com ele.
-Melhorou?
-Está ardendo. Já quebrou o nariz
para ter idéia de como dói? –Ela falou, deixando que ele passasse o braço
esquerdo pela sua cintura.
-Não. Mas uma vez quebrei todos os
dedos da mão direita. –Ele mostrou a mão. Nunca tinha reparado, mas agora que
ele disse, Alyson pôde ver nitidamente que ela era um pouco… Sutilmente
estranha. Como se houvesse algo fora do lugar. Talvez Ken não tivesse tido
tanta sorte como ela. Talvez não houvesse ninguém para colocar cada ossinho
torcido ou quebrado no seu devido lugar. Agradeceu mentalmente a Crós pelo
puxão que fizera o membro voltar ao lugar certo. Inconscientemente pegou a mão
dele acariciando-a. Agora podia sentir, os ossos um pouco atrofiados sobre a
pele macia.
-Não dói?
-Nem um pouco.
-Como consegue manejar a espada?
-Tenho meus truques… E não é tão ruim
quanto parece, consigo usá-la normalmente.
Ela deixou escapar um suspiro de
alívio. –Que bom. E eu achando que estava má.
-Errar é humano.
-O que houve… Com a sua mão?
-Um nome que eu não preciso repetir
para você.
-Driguem… Aquele cretino.
-Ele descobriu onde Kira estava. Eu
fui tentar salvá-la e acabei com a minha mão esmagada entre o corpo dela e a
parede… Doeu pra caramba.
-Quem é Kira?
-Se lembra que eu disse que precisava
resolver uma coisa… Bem, ela está envolvida no assunto.
Alyson fitou-o com os olhos
castanho-esverdeados arregalados e se desfez do abraço. Tudo indicava que tinha
tomado uma decisão precipitada… -Meu Deus, você não é…
-Não sou o quê?
-Ai, eu sabia que era muita sorte
minha…
-Do que você está falando?
-De você! Eu devia ter imaginado que
é casado!
Ele virou tão bruscamente que por
algum milagre sua espinha ficou no lugar. Seu rosto se crispou numa careta
dolorosa. –Alyson, eu…
Um barulho de motor distraiu-o
completamente. Um jipe cor-de-areia parara ao seu lado, levantando uma nuvem de
areia. Dele saltou uma mulher loira, de olhos verdes e 20 anos. Ela trazia duas
malas grandes e vestia uma camiseta preta e calça jeans. Olhou para o
motorista, dizendo um tank you muito educado, ao qual o
motorista respondeu com uma frase que Alyson não compreendeu (Já não é pedir
demais que numa situação dessas, ela lembrasse que “tank you” significa
“obrigada a você” em inglês?).
-Kira. –Ken murmurou. O jipe foi
embora e ela ficou, toda sorridente, observando-o. Deixou as malas no chão, e
com alguns passos curtos venceu a pequena distância que os separava,
abraçando-o com força. E, para o desespero de Ly, ele retribuiu o abraço, com
afeto e amor. –Senti a sua falta.
-Eu também senti… Irmão.
Alyson, que já ia recomeçando a andar
novamente, contendo-se para não chorar, virou-se de novo e encarou os dois,
pasma. Os olhos, o cabelo, a cor da pele… Irmãos.
Como pôde ter sido tão estúpida a
ponto de desconfiar de Ken? Ele não a deixaria esquecer disso tão cedo.
Pigarreou baixinho para chamar a atenção deles e retrucou: -Não vai me
apresentar a sua irmã?
Ele levantou a cabeça enquanto Kira
se adiantava e apertava a mão de Alyson com entusiasmo. –Oi, você deve ser a
Alyson, certo? Meu irmão sempre falou bem de você. Aliás, ultimamente foi a
única de quem ele falou. –E continuou, fazendo o movimento com a boca, sem som
“esse palerma é apaixonado por você, não desperdice”. Apesar do esforço para
que ele não entendesse, Ken conseguiu sacar o que ela disse e a agarrou pelo
cotovelo, puxando-a para o seu lado e sussurrando em seu ouvido: -Para com
isso, está me deixando sem graça!
Alyson sorriu. Como era boba.
-Vou pegar as malas. Esperem só um
minutinho…
Ela demorou mais que isso,
possivelmente de propósito.
-Você é louca, paranoica, ou o quê?
–Questionou Ken para Alyson. –Casado, eu? Como posso ser casado se desde os
meus 15 anos só tenho olhos para você? Pirou de vez?
-Me desculpe. Foi um lapso.
-Uma crise de ciúmes, você quer
dizer.
-O que eu posso fazer? Você disse que
era órfão, que Driguem destruiu toda a sua família.
-Foi o que achei… Até um ano atrás.
Quando descobri que eu tinha uma irmã gêmea e ela morava em Tókio.
Infelizmente, não sabia que ela podia se defender muito bem sozinha. –Ele
levantou a mão atrofiada fazendo uma careta triste. –Ela puxou o meu lado da
família.
-Sinto muito… Não pensei. Desculpe-me
por ter duvidado. –Ela lhe deu um beijo breve nos lábios. –Pode perdoar essa
cretina que ainda te ama?
-Posso. Mas escute minhas palavras
quando digo que vou encarnar em você por causa disso pelo resto de nossas
vidas.
-Que consolo.
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Hiei bocejou e se espreguiçou pela
enésima vez. Piscou os olhos. Estava exausto, não dormira absolutamente nada.
Estava com um mau pressentimento. As caras de Aaron e Pandora, ao se despedirem
às portas da Sede Black, não ajudavam. Não sabia que jamais veria os amigos
novamente. Não sabia que sua vida estaria para mudar a partir daquele dia.
Desconhecia o futuro negro que vinha a sua frente, agourento, que riria em sua
cara quando o jovem trombasse com ele.
Mitaray olhava concentrado para a
clareira na sua frente. À sua esquerda, ficava o caminho sinuoso e curto que
desembocava na entrada do chamado Caminho da Ilusão, ao qual teria que
enfrentar, em breve. Mas sua atenção não estava nesse canto. Ela voltava-se
para o espaço amplo à sua frente, onde o verde e baixo gramado cintilava abaixo
de um grande arco de pedra gravada. Era um monólito estranho… Emanava um poder
avassalador. Sabia o que viria de lá, dali a alguns segundos. Sabia quem viria
de lá. Nunca admitiria para o amigo ao lado, mas estava entusiasmado. Muito
mais que ele.
Junto aos dois ainda se encontravam
Iris e uma pequena fada, de 10 centímetros de altura, olhos verdes profundos e
um cabelo liso e alourado. Usava uma roupa feita de folhas: algo parecido com
um top e uma saia esvoaçante. As asas eram delicadas e transparentes. Estava
sentada confortavelmente nos ombros de Iris.
A tensão estava no ar. Todos os
outros candidatos a entrar na Equipe já haviam se dirigido à entrada do
Caminho. Só havia eles ali. Aguardavam boas noticiais… Aguardavam Crós, e
aqueles que o acompanhavam.
Iris cruzou os braços. Precisava
esperar, querendo ou não. Não podia coordenar a prova só. Sabia de suas
limitações. Sabia que tinha que evitar o máximo possível se transformar. Sabia
que lhe custaria muita energia. Estava fraca… Estava cansada. Tivera uma semana
longa e cansativa, e sem tempo para recuperar as forças gastas.
A jovem era filha de uma fada. Vinha
de uma linhagem direta de Hera, a Deusa Fada da Terra. A Deusa que criara a
primeira fada em tamanho humano, depois dela mesma. Filha essa que podia
assumir uma forma mais primitiva, quando quisesse… A forma humana. Que tinha
sido criada do próprio sangue de Hera. Que não tivera pai. Essa filha se
relacionou com um humano, apesar de poder criar filhas com quase a mesma
facilidade da Mãe. O casal teve três filhos: dois meninos e uma fada. Só as
filhas ganhavam asas. Só elas tinham o dom dado por Hera.
De modo que as gerações posteriores
eram frutos de raças diferentes. Iris vinha desse galho principal, mas turbulento.
Tinha vários primos de segundo e terceiro graus espalhados pelo mundo.
Criaturas muitas vezes bizarras, mistura de várias raças diferentes. Ela mesma
não sabia se só havia sangue de humanos e fadas correndo em suas veias. Essa
mistura a tornara fraca, mais fraca do que deveria ser. Não se queixava disso,
muito pelo contrário. Gostava de saber que era diferente.
Mas, para quem luta contra Haradja,
toda ajuda era bem-vinda… Bem que ser uma fada pura viria bem a calhar…
Ela levantou os olhos ao ver que o
vazio dentro do arco de pedra parecia ganhar consistência. Pequenos raios
cruzavam seu centro. Um show de luzes…
Todos se agitaram, dando passagem ao
que vinha com a luz… A sua salvação.
Quarto capítulo: O Caminho da Ilusão
(parte II).
Quando Alyson, Ken e Kira alcançaram
os outros, eles já se haviam agrupado no centro do Stonehenge.
-Ao menos, não teremos que nos
preocupar onde deixaremos o avião… -Dizia Crós, tentando consolar Cloe.
-Pouco me importa o que aconteceu com
o avião. O que me preocupa são as autoridades. Nós mandamos uma mensagem
pedindo permissão para pousar no território inglês. Mais cedo ou mais tarde vão
procurar por nós, e o que vão pensar quando chegarem e virem o avião destruído,
sem sinal de vida?
-Chegarão à conclusão que nós
morremos carbonizados? –Alegou Sacha. –E daí?
-E daí, que isso chegará aos ouvidos
dos nossos pais.
-Pois é… Nem pensei nisso.
-É porque você nunca pensa, Sacha.
–Retrucou Crós, aparentemente contando a quantidade de arcos que estavam à sua
volta. –Quem é a sua nova amiga, Ken?
O rapaz, que botava os pés para
dentro do círculo de monólitos nesse instante, olhou para Kira, que o seguia de
perto e respondeu: -Minha irmã… Kira.
-Sabe lutar, Kira? –Questionou o mago
sem, contudo, olhá-la.
Ela sorriu. –Claro.
-Pronta para deixar sua vida comum
para trás?
-Demorou.
-Seja bem-vinda ao time. –Ele
murmurou, voltando a contar.
-O que está fazendo, Crós?
–Interpelou Alyson, curiosa ao notar a atitude do homem.
-Me situando… -Ele estava em frente
dos dois únicos arcos inteiros que restaram em pé quase no centro do círculo.
–Qual deles será o principal?
Alyson deu de ombros: -Eu sei lá!
-Esperem. –Cloe afastou os dois e
observou o arco da esquerda. Notou pequenas e sutis inscrições gravadas nele.
–Acho que é o da esquerda. Essas figuras… Parecem ter sido feitas por
alquimistas.
-Eles tinham uma linguagem bem
peculiar. –Disse Crós, como se lembrasse de tempos antigos.
-Conheceu algum? –A jovem espantou-se
-Andei por esta terra muito antes de
seus antepassados pensarem em nascer. Claro que os conheci… Eram bem exóticos.
-Imagino. –Retrucou Alyson, baixinho.
–E daí, Cloe?
-Daí, o quê?
-O que está escrito? Sabe ler runas
antigas, não sabe?
-Bem… –Ela juntou os dedos indicadores
na frente do rosto meio sem graça e continuou: -Sabe que eu nunca prestei muita
atenção nas aulas do meu pai maluco?
-Como raios nunca prestou atenção?
Não passou na prova? Você me disse que tinha passado na prova de runas, da
última vez que eu te liguei. –Alyson gesticulou um pouco para mostrar seu
desapontamento.
-Foi o que eu disse para despistar o
meu pai.
-Mentiu para o seu pai?
-Menti não, omiti. Na realidade,
tirei quatro. É a pior nota de toda a minha vida escolar. –Ela respondeu,
enquanto Crós examinava atentamente o dito arco.
Alyson, um pouco aborrecida com a
revelação e meio pasma, suspirou fundo, lembrando-se do seu próprio fracasso em
línguas estrangeiras, e recomeçou: -E eu achando que era ruim em inglês…
-Isso vai se resolver bem rápido,
garota. Principalmente porque bons feiticeiros sabem muitas línguas. –Disse
Crós, repentinamente.
-E?
-Você mesma disse que queria aprender
a arte da feitiçaria, não me culpe.
-Posso voltar atrás?
-Não. Um pacto com qualquer
feiticeiro dura por toda uma vida.
-Não fiz pacto algum. –Ela protestou.
-Você pediu… Vou lhe entregar. Se não
está feliz, discuta com seu “eu” interior… Garanto que a culpa é dele.
-Se eu dissesse que foi tudo um jeito
de te fazer ficar mais feliz, não posso me ausentar desta… Obrigação?
-Não. –Repetiu ele, categórico.
–Sugiro que pare de arranjar argumentos inúteis e prepare-se psicologicamente
para o que vai ver quando atravessarmos.
-Não vamos atravessar se ninguém sabe
ler runas antigas de alquimistas ingleses. Falando nisso, sabe-tudo, você sabe?
-O que, ler?
-Não, voar. –Satirizou a jovem.
-Se convém saber, sei voar sim. E,
respondendo a sua pergunta, só não entendo, como já li tudo. –Ele apoiou a mão
no arco de pedra e começou a recitar o que estava escrito no monumento:
Há
muito, muito tempo atrás;
Quando
tudo eram trevas e a humanidade tinha as pernas feridas e, consequentemente,
não podia caminhar;
Quando
o mundo bancava o jovem mimado que não quer seguir em frente;
Quando
achávamos que permaneceríamos eclipsados eternamente;
Daqui
Eles vieram;
Para
nos fazer andar com nossas próprias pernas;
Para
nos fazer crescer e evoluir;
Para
trazer de volta o sol e a bem-vinda luz da razão.
Nos
ensinaram muito, mas tiveram que partir;
Para
o seu próprio mundo, seus próprios receios e seus próprios eclipses, aos quais
alegavam serem bem poucos.
Para
cá retornaram, e vimos seus corpos se desfazerem entre faíscas de luz.
Eles
foram para um mundo antigo;
Muito
além do que conhecemos;
Onde
seres mágicos vagam tranquilamente sobre os prados,
Lado
a lado com seus irmãos…
Os
seres humanos.
-Pessoalmente, eu só vejo rabiscos.
Sacha cutucou o arco, enquanto Crós
proferia a última sílaba da mensagem. Alyson lhe deu um safanão na cabeça,
resmungando que “se não vai ajudar, não atrapalha”. Crós tocou o arco
emocionado. Nunca parara para ler aquelas inscrições. Sentia falta daquela
época. Tudo era mais fácil. Gostava de saber que, de alguma forma, seus antigos
amigos lembraram-se dele ao escrever aquilo. Eram gratos. Há muito, a
humanidade residente no Mundo Real tinha esquecido o que era gratidão. O que
era fraternidade. A emoção acompanhava a certeza de que eles, com certeza,
estariam em um lugar bem melhor a essa altura.
Alyson esperou o mago se recompor e
perguntou: -Como abrimos?
Crós sorriu por baixo do capuz que
cobria boa parte do rosto.
-Me lembre de ensiná-la a ser mais
perceptiva também, nobre gatinha.
Ela se perguntava se aquilo era um
xingamento disfarçado em elogio.
O feiticeiro formou uma bola de
energia viva em sua mão. Pareciam… Raios! Os outros se afastaram e observavam a
cena extasiados. De alguma maneira, num piscar de olhos, Crós transformara sua
mão numa minúscula usina elétrica… De onde viria tanto poder? Aquilo desafiava
as leis da física! Mas, no fundo, eles sabiam: magia. Pura magia, e mais um
punhado de fé em Deuses inimagináveis.
-
“Para cá retornaram, e vimos seus corpos se desfazerem entre faíscas de luz”. –Ele
repetiu.
-Eletricidade. –Murmurou Cloe.
-Isso mesmo… Nossa mais notável
invenção. –Ele trouxe a mão para perto do arco e, rapidamente, o buraco vazio
se consumiu em raios. –Esqueçam tudo que conheceram. Todos os ensinamentos que
tiveram. A partir de agora, nunca mais serão os mesmos.
Uma onda de luz e energia atingiu-os
em cheio, e por alguns segundos o tudo virou nada. Era essa a sensação de quem
atravessava para a outra dimensão.
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-Mais que porre, não se pode nem descansar
hoje em dia! –Reidh saiu da sua cômoda posição sobre nuvens brancas e fofas e
olhou para baixo. Seu corpo era naturalmente leve como o ar, então não se
incomodava de estar a quilômetros do chão. Abriu as longas asas brancas, de tom
levemente azulado nas pontas de todas as penas, e esticou-as. Os olhos azul céu
observaram a clareira logo abaixo. As nuvens o levaram para um dos portais sem
que ele tivesse notado. Sabia onde estava, e o que estava por vir. E conhecia
acima de tudo aquele zumbido agudo que o trouxera de volta da sua meditação e
persistia em suas orelhas pontudas.
Reidh não era um anjo. Tão pouco um
espírito do Ar comum. Reidh era um elfo, o que explicava as orelhas pontudas e
sua beleza marcante. Você deve se perguntar por que um elfo, que tem a fama de
viver nas árvores, faz, com um par de asas angelicais, sobre uma nuvem.
Acontece que ele também não era um
elfo qualquer. Você acaba de conhecer Reidh, O elfo, Senhor do Ar e dos Céus. O
Deus dos Ventos.
E, até o final desta história, verá
os outros dois Deuses que, unidos a ele e Seres, formam o poder que rege
Diamond. Porém, ainda estamos no começo. É a vez de Reidh tomar seu lugar na
trama que se desenrola lentamente.
O Deus remexeu nos cabelos brancos.
Não parecia um velho, muito pelo contrário. Parecia estar na faixa dos vinte e
cinco anos. Seu corpo era escultural, geralmente coberto por uma camisa branca,
calças grafite e um sobretudo beirando entre essas duas cores. Os cabelos eram
curtos, vinham antes da altura do queixo delicado e eram lisos. A tez era
clara.
Olhou para o céu a tempo de desviar
de seis pessoas que literalmente despencavam dos seus domínios. Um ele conhecia
bem. Em compensação o resto…
Enquanto pensava, jogou uma rajada de
vento para impedir que colidissem com o chão. Uma delas caiu sobre uma árvore e
teve que frear a queda por si própria. Ao olhar para aquele rosto, para aqueles
olhos, ele estacou. Sua respiração parou por um segundo. Era ela.
A jovem avaliou seu estado. Olhou em
volta para encontrar os outros. Eles, no chão, longe um do outro, por causa da
ventania de Reidh, (mesmo assim, vivos), iam se levantando aos poucos. Procurou
um, em especial…
-Mas que diabos, Crós! Tá tentando
nos matar!?
O feiticeiro se levantou como se nada
tivesse acontecido e fitou Alyson por um momento. –Descarreguei energia demais.
Tenho coisas piores para me preocupar. Acho que quase acertei o Deus dos
Ventos…
A jovem foi descendo de galho em
galho, cuidadosamente, até chegar ao mais baixo, que estava a dois metros de
altura do chão. Ela meio que sentou no galho, ficando de frente para Crós e os
outros, sem perceber que estavam sendo observados por um Deus, uma meia fada,
uma fada pura e dois rapazes bem curiosos.
-Está todo mundo bem?
-Acho que quebrei uma unha. –Alegou
Sacha, indiferente. Cloe estralou o corpo todo verificando se estava tudo no
lugar. Kensuke e Kira se abraçaram num gesto de cumplicidade.
-E você, está? –Ken perguntou.
-Eu fui morta, ressuscitada, apanhei,
fui golpeada por uma cimitarra, quebrei o meu nariz e agora estou em cima de
uma árvore em um mundo estranho. Já faz algum tempo que não estou bem. –Ela
enumerou, medindo a altura em que estava.
-Pelo menos estamos vivos. –Analisou
Cloe.
-Ainda. Crós vai acabar me matando
antes mesmo de eu pisar num campo de batalha. –Resmungou, sentindo o galho
ceder com o seu peso. O galho partiu-se e, para o seu azar, seu instinto felino
resolveu não colaborar e ela acabou de cara no chão. Refreou o próprio grito de
dor e virou o corpo. Tocou o nariz. Estava doendo, mas estranhamente não o
sentia partido mais. Era como se a cartilagem tivesse se recomposto
milagrosamente naquele curto espaço de tempo que ela saiu do avião até a queda
inoportuna. Ela fez um sinal de que estava tudo bem e levantou-se, tirando o
capim do rosto e da roupa. -Mas que…
De alguma forma, sua roupa também se
transformara. O que parecia ser um bolero cobria os seios e deixava a barriga
de fora. O tecido era extremamente leve, mas não era seda. Tinha uns tons de
lilás. A saia, um pouco mais puxada para o vermelho, era curta e com duas
pregas. Ficava atada à sua cintura por meio de um cinto da mesma cor, do mesmo
tecido. O seu, agora inseparável, cordão pendia do pescoço nu. Estava descalça.
Ainda se perguntando como e quando isso acontecera, notou que não era só ela.
Todos haviam mudado de roupa, menos o próprio Crós, que balançava a cabeça,
fazendo questão de afirmar que não tinha nada a ver com isso.
Kira parecia uma fada. Usava um top
verde-água e uma saia no mesmo tom, um pouco mais cumprida que a de Alyson e
sem pregas. Fios de algum material desconhecido, azul petróleo, se enrolavam em
suas pernas e braços.
Sacha estava toda em tons de
vermelho, rosa e branco. Sua baby-luck era aberta nas costas, e uma calça
bailarina branca acentuava a cintura fina. Em seu pescoço a flor de lótus, seu
passaporte para outra forma, brilhava elegantemente.
Em Cloe a renda aparecia, junto com o
misterioso tecido, para formar um vestido roxo e curto. As pernas eram cobertas
pelas mesmas tiras estranhas de Kira, só que de um azul menos intenso.
Ken, ao contrário do que se esperava,
apareceu vestindo algo como uma meia armadura. Havia ombreiras e joelheiras
prateadas, uma blusa justa e azul-marinho e uma calça negra. Na testa, uma
pequena jóia incrustada. Uma ametista pequenina em forma de um triângulo
invertido.
Mas numa coisa eles eram iguais:
todos, até mesmo Crós, mantinham-se descalços.
O espanto era geral. O mago
recostou-se na árvore em que Alyson estivera em cima instantes antes e fez cara
de mistério. –Eu disse que nunca seriam os mesmos.
-Mas o que raios está… –Alyson parou
novamente, interrompida pela explicação que se seguiu, vindo de uma voz
feminina.
-Quando as pessoas de fora vêm para
cá, o próprio mundo faz um “scaner” dos seus desejos mais profundos. Quando se
passa para esse plano, podemos ver pela roupa e cor a natureza de qualquer um.
–Iris parou na frente de todos, com Mitaray e Hiei logo atrás. –Sejam
bem-vindos a Diamond, nosso lar e, se desejarem do fundo da alma, o lar de
vocês também.
-Obrigado. –Responderam os
visitantes, sem saber o que dizer.
-Quem tem de agradecer somos nós, por
terem ouvido nosso apelo, certo, meu amigo gato?
Crós acenou com a cabeça. –Certo.
A mulher fixou os olhos castanhos
avermelhados no rosto de Alyson e pegou as suas mãos. –Uma espera longa que
traz bons resultados. É um prazer conhecê-la, Kit Black. O meu nome é Iris.
-O prazer é todo meu, Iris.
A semifada voltou-se para os outros.
–Não pensem que meu interesse é só sobre a garota. Aproximem-se! Sou metade
fada, tenham certeza que não vou fazer-lhes mau.
Hiei deu um passo à frente e estendeu
a mão para Alyson. –Oi, sou Hiei. –E nisso segurou a mão dela e sacudiu para
cima e para baixo, num prolongado aperto de mão. –Kit, certo?
-É… –Ela se perguntou se adiantaria
mesmo usar do nome de Alyson Valoem num mundo onde apenas a conheciam por Kit
Black. Chegou à conclusão que realmente era inútil discordar. Sorriu. –É. Isso
mesmo.
Com essa afirmação seus amigos se
entreolharam por alguns instantes. Ela estava mesmo falando sério? Crós, em
compensação, não lhes deu muita atenção. Sabia que isso aconteceria, cedo ou
tarde. Quanto a Alyson, bom… O fato é que ela nunca mais usou o nome dado pela
mãe, embora nessa época ainda não soubesse que isso não era um erro grave.
Enquanto pensava, Hiei a bombardeava
com uma saraivada de perguntas: -Teve uma boa viajem? Se sente bem? O que acha
de Diamond? Legal não é…
Mitaray revirou os olhos, certamente
com pena da garota. Com uma das mãos puxou fortemente as costas da blusa que o
colega usava e forçou-o a ficar do seu lado novamente, enquanto alegava: -Fique
quieto, Hiei, deixe-a respirar! –E virando-se para Alyson (agora Kit), e os que
estavam atrás dela, continuou: -Desculpem a indelicadeza de Hiei. Ele é…
Extremamente indócil.
Cloe deixou escapar um risinho
extremamente debochado: -Indócil é apelido.
Hiei observou-a de cima a baixo. Em
sua cabeça, era muito bonita, mas também tinha aquele jeito inconfundível de
nerd e sabe-tudo que o tirava do sério. Ele estava um pouco enganado, o que já
é alguma coisa, se for contar que ele está sempre enganado quando se trata de
mulheres. –Sou indócil, mas ao menos, sou feliz. Pode dizer o mesmo?
Cloe decidiu que não valia a pena
revoltar-se por tão pouco e deu de ombros. –Isso só diz respeito a mim.
-Ela sabe afiar a língua quando quer.
–Murmurou Ken para Sacha.
-Você ainda não viu nada.
-Gente, eu odeio estragar o momento
“conhecimento” de vocês, mas não estão desconfiando de nada? –Retrucou Íris,
apontando para o próprio pulso, como se mostrasse um relógio.
-Ah, claro, o teste. –Hiei coçou a
cabeça. –Eu já ia me esquecendo.
-Novidade. –Satirizou a mulher.
–Vamos, estamos atrasados. Imagino que vocês vão participar… –Disse, virando-se
para Kensuke, Cloe e Sacha.
-Peraí… –Hiei apontou para Cloe
enquanto perguntava com cara de tacho para Iris: -Ela vai fazer o teste? ELA
VAI ENTRAR NO CAMINHO DA ILUSÃO!?
-Não, bobo, ela vai conosco para
montar acampamento e fazer pizza. –Zombou Mitaray, fechando os olhos numa
esperança vã de conter o sono.
Kit gargalharia há essas horas, se
não fosse pelo fato das duas amigas e o namorado estarem fadados a ter uma
manhã deplorável e provavelmente não passarem inteiros dela.
-A vida é dela. Ela faz o que quiser.
–Respondeu Iris.
-É, se ela quer perder alguma parte
do corpo, o problema é todo dela. –Alegou uma voz grave. Iris imediatamente
olhou na direção em que ela viera. –Majestade?
A figura sorriu. Detestava ser
chamado daquele jeito. Mas era um Deus, não era? Fez um sinal breve com a mão
direita, impedindo que Iris e “companhia” se ajoelhassem. –Fala sério, Iris,
sabe muito bem que não precisa me tratar desse jeito. Quer me matar de tédio
antes mesmo de me apresentar aos novatos?
Iris sorriu. Ele era mesmo uma
figura. –Bom dia, Reidh. O que o traz aqui, tão cedo?
-Para começar, quase me bombardearam
com seres humanos. –Respondeu o Deus, mirando Crós de esguelha. –E, também, sou
o único disponível, aparentemente, para dar boas vindas aos Slaiers.
-Aos o quê? –questionou Sacha,
achando que era algum tipo de xingamento.
-Significa “viajantes novatos”.
–Explicou Iris, de mal humor. –Sem querer ser desrespeitosa, meu caríssimo
Reidh, mas estamos sem tempo.
-Extremamente sem tempo, devo frisar.
–Alegou a fadinha loira, agora dependurada no ombro do Deus.
-Relaxem vocês duas… Já estão
atrasadas, mesmo… –Reidh se espreguiçou. –Já explicaram o sistema de cada
indumentária?
-Não. –Resmungou Iris.
-Mas que coisa, vocês poderiam ter
adiantado um pouco o meu lado. Olha, Iris, a Hera não vai ficar muito feliz em
saber que uma das suas descendentes está ficando lenta em suas tarefas…
-Ora, seu…
Mitaray e Hiei se adiantaram para
segurar Iris antes que ela fizesse alguma... Loucura. –Vamos relaxar, está bem?
-É, quer que eu arranje um suco de
maracujá para você?
-Não quero relaxar, quero que esse
X-9, fofoqueiro cale-se.
-Desculpe ter que dizer, mais isso é
improvável, para não falar de impossível. –Alegou Mitaray, soltando-a.
Reidh revirou os olhos e sorriu.
–Esquentadinha, como sempre. Olha só o que temos aqui… –Ele parou em frente à
Kit e a analisou brevemente, antes de continuar: -É, Kit, você é exatamente
como eu imaginava… Até mesmo por dentro. Acho que temos um caso raro de
indecisão aqui.
-Desculpe-me, mas: o quê?
-Vou resumir. Eu sou Reidh, o Deus
dos Ventos, e já que a nossa querida Iris ali não teve a capacidade de explicar
as suas roupas, vou tentar fazer isso do jeito mais compreensível que eu puder.
–Ele parou. Notando Iris ficar rubra de tão zangada e imaginando que era melhor
parar por ali mesmo, respirou fundo e continuou. –Quando chegaram aqui, uma
magia relacionada aos portais passou por vocês… Essa magia é responsável pela
mudança de roupa. Ela funciona com a finalidade de trazer a tona o verdadeiro
“eu oculto” de nossos visitantes. É extremamente importante para evitarmos ter
surpresas desagradáveis.
-Desagradáveis? –Cloe olhou-o,
esperando uma resposta.
-Digamos que, com pessoas vindo do
Mundo Real, qualquer cuidado é pouco. Isso não é perseguição, apenas cautela.
Uma lei que não pode ser ignorada… Tivemos muitos problemas antigamente por não
saber a natureza de quem pisava em nossas terras. –Ele pareceu pensativo. Seus
olhos se estreitaram e ele fitou Iris, Mitaray e Hiei. –Muitos problemas mesmo.
A expressão angustiada não durou
muito tempo. Logo ele sorria novamente. –Devo começar por você, tampinha?
Kit deu de ombros. Já estava
acostumada a ser tachada de tampinha. Seu 1,60 m nunca foi problema nenhum para
ela, mas fazer o quê? –Pode ser.
-Pra começar, as qualidades. O lilás
e o vermelho dão a sensação de liberdade e humildade, além de muita
perseverança, porém…
-Porém?
-Essas cores conectadas, aliadas às
formas curtas, também refletem a indecisão marcante em sua vida, e uma certa
falta de autoconfiança. Um conselho: trabalhe nisso, garota, não é uma
dificuldade impossível de se resolver.
A jovem arqueou levemente as
sobrancelhas. Ele era mesmo bom…
O Deus virou-se para Kira. –O verde e
o azul petróleo são cores fortes. Refletem uma presença forte, inabalável, mas
também um grande coração. Isso causa uma crise de personalidade. Aconselho você
a tentar conciliar os dois.
À Sacha sua explanação foi dita
rápida e sem rodeios: -Romantismo e suavidade. O branco significa pureza… Em
algum lugar aí dentro, pelo menos. Pode ser extremamente chata e um pouco
egoísta. Deixe de pensar em você mesma e comece a prestar atenção nos outros.
Você pode se surpreender…
A avaliada engoliu em seco, e Kit
achou, por um minuto, que ela ia sentar e chorar. Ao evitar essa cena, Sacha
mostrara ser mais forte do que parecia.
Cloe teve um pouco mais de sorte. –A
renda mostra complexidade, o roxo, inteligência e sabedoria.
-Não são a mesma coisa? –perguntou a
garota.
-Não. De nada adianta a inteligência
se não se sabe como e pelo que usá-la. É aí que entra a sabedoria. Entretanto,
esse lado crítico tende a atrapalhar sentimentos essenciais, como o amor e
amizade. Não se ligue tanto a fórmulas. Deixe certas coisas correrem
normalmente e relaxe.
Ken imaginava um esculacho total
quando chegou a sua vez. Reidh estudou-o por alguns segundos e fez uma careta
de “é claro, como não vi isso antes?”, enquanto começava a falar.
-É você têm muitos dons. É bem
difícil avaliar seu “eu interior”. Mas mesmo assim, algumas coisas
sobressaem-se. Sua meia armadura mostra sua paixão pela batalha. O azul reflete
uma essência impactante e compreensiva. O preto não costuma ser uma cor muito
boa, mas em relação com o azul, está associada à elevação. Feiticeiros usam o
preto com azul geralmente, para mostrar sua elevação de espírito.
-E quanto esta coisa no meio da minha
testa? –O rapaz apontou para a pedrinha. –Significa o quê?
Reidh riu e respondeu: -Impaciência.
Aparentemente você fala sem pensar, e é um dos seus piores defeitos. Lembre-se
que para destruir basta, às vezes, uma só palavra. Essa pedra é um pequeno
lembrete, e diz “pense antes de falar”. Ela sumirá quando saírem deste bosque.
Quanto a todos vocês estarem descalços, o que ainda devem estar se perguntando,
a resposta é simples. Este lugar é sagrado, e andar sobre ele descalço permite
que o rio de energia a nossa volta flua para os nossos corpos. Também têm muita
gente que acha andar por aqui, até mesmo com chinelo, um sacrilégio, então é
melhor não esquecerem.
-Senhor…
-O que foi, Sabrina?
-O vento está mudando…
-Eu senti, oras, esqueceu que sou o
Deus dos Ventos?
-E da fofoca?
-DOS RUMORES. Assim como o meu
elemento eu levo RUMORES, quantas vezes vou ter que repetir? –Reidh abaixou as
orelhas pontudas e levantou um pouco a mão esquerda, como se estivesse sentindo
a direção do vento. Abaixou a mão, um pouco revoltado. –Logo agora que estava
começando a ficar interessante…
-Senhor?
-Uma reunião urgente, e eu estou pra
lá de atrasado. Folkes vai me trucidar. Deve ser sério… –Ele parou, e mais uma
vez fez com que um sorriso aparecesse em seu lindo rosto. –Foi um prazer conhecê-los.
Boa sorte, e espero que nos encontremos novamente. –Virou-se para Iris, e
alegou: -Desculpe-me pelo incomodo, sabe como sou: adoro dar boas risadas,
contar histórias… Preciso de alguém que ouça. –E, finalmente, para Crós:
-Quanto a sua impertinência em me usar como alvo, vou deixar passar… Desta vez.
Deu alguns passos para trás enquanto
a fadinha saía de seu ombro e terminou: -Cuidem-se!
E, batendo as asas, desapareceu em
meio a uma revoada de plumas. Embora não estivesse presente no teste, todos ali
sabiam que o Deus estava torcendo por eles.
Alguma coisa em seu jeito de falar
sugeria um adeus. Os “Slaiers” estavam cismados com isso. Crós percebeu, e
lançou um olhar significativo para Iris. –Você conta ou eu conto?
-Podemos deixá-los no escuro também.
–Murmurou Mitaray.
Os novatos se entreolharam. Seria tão
ruim?
-Dramático o Reidh, não é? Relaxem,
galera. Ele sempre volta. Adora uma boa fofoca. Não deixaria de saber sobre Kit
Black e sua chegada “triunfal”. –Iris revirou os olhos castanho avermelhados.
–Além do fato de que jamais deixaria de me atormentar.
Crós desencostou da árvore finalmente
e afirmou: -É melhor irmos, está na hora.
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