7 de jan. de 2016

Kit Black: Viajantes de Mundos

Quinto capítulo: Escamas e muito fogo! (parte I).


Existem vários meios para conseguir fogo. Esfregar dois pauzinhos secos até produzir faíscas, esperar um raio cair numa árvore, trazer um isqueiro com você, ou ir se meter com um dragão. E a última opção é tiro e queda para que, além de arranjar fogo, você vire um monte de cinzas. Mas isso não impede algumas pessoas de ir procurar um ser desses, por motivos mais ou menos importantes. São monstros enormes, com corpos semelhantes aos de lagartos, cabeças de serpentes, chifres e asas de morcego enormes, para não falar na fileira de dentes colossais e que são capazes de soltar fogo pela boca e/ou narinas. Normalmente tem um número sem igual de variações de espécies, e em cada canto existe um grupo com particularidades que não se vê em nenhum outro.
Diamond tem sua maioria de dragões organizada numa cidade quase puramente vulcânica: Dragon. Como são monstros realmente inteligentes (em sua maioria), a cidade está sob o seu poder. Poucos humanos ousam se aventurar em suas terras, por pavor de serem devorados. Poucos dragões têm afinidade com humanos, de modo que era raro alguém entrar em Dragon, ou algum dragão sair de lá. E tudo ainda estava neste pé, antes da primeira vez que Kit sai-se numa missão.
Afinal, a Equipe Black não acabou. Com muita dificuldade e pesar, Iris conseguiu dar a volta por cima e, com os novatos, formou uma nova Equipe. Uma Equipe maior e tão poderosa quanto a última, até mais. A adaptação fora difícil, no início. Depois daquela chacina, todos ficavam desanimados a entrar na sala de treinamento. Mas aquilo era necessário. Eles foram separados em dois grupos: o grupo de campo, que sairia para completar missões; e o grupo de apoio, que trabalhava dentro da sede e tinha a função de passar informações para o que estava fora.
No grupo de apoio, se encontravam a inteligente Cloe, como estrategista; Sacha, como vigia (o que era desnecessário, porque estavam numa fortaleza impenetrável, mas não acharam trabalho que ela pudesse se encaixar); Iris, que voltara-se a um papel burocrático e se recusava a deixar a sede, mesmo sendo a líder; e Kira, que era notavelmente boa com programas e chegara ao posto de programadora e mecânica oficial.
Crós fazia parte dos dois grupos, por ser um feiticeiro e um curandeiro nato. Era difícil conseguir arrancar um sorriso do seu rosto agora, mas Kit conseguia essa façanha. Ela tentava a todo custo ser uma boa aprendiz, e pegara a mesma mania de Pandora, sem saber: chamá-lo pelo segundo nome, Salem. Da primeira vez que o chamou, quase o fez chorar. Ele sentia um nó na garganta, mas sabia que ela não tinha culpa. Acabou por se acostumar, finalmente, e tornou-se comum, depois de uma poção dar errado e quase demolir a mansão, um grito estridente sair de sua boca: -Salem! Tá tentando me matar?
No grupo de campo, se juntavam Kensuke, como arrombador (tinha mostrado uma intensa habilidade nessa área, em todas as sessões de treino); Hiei, o piloto; e Mitaray e Kit, como batedores. Os dois se deram muito bem juntos, e sua amizade foi ficando incontestável.
Kit, por si mesma, dava sempre o seu melhor. Tinha uma missão difícil nos ombros, e um juramento feito, no mais alto terror daquela manhã fatídica quando encontrara a Equipe anterior morta: que nunca mais veria aquela tristeza e desilusão estampadas nos rostos das pessoas que gostava. Haradja teria o que merecia, cedo ou tarde. E ela queria estar na frente da operação quando isso acontecesse. Mas ainda era cedo pra isso. Só havia se passado um mês desde o incidente, e eles se preparavam pra sua primeira missão que, aliás, não tinha nada a ver com Haradja…
Eles se preparavam para ir cumprir essa incumbência nesse instante. Entretanto, é preciso dizer que havia algumas pessoas velando por eles, de uma colina alta e coberta de uma grama verde quase cintilante, observando-os por meio de um lago minúsculo. Parece-lhe familiar, caro leitor?
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UM MÊS ATRÁS;
CAMPOS DA MORTE­ - PASSAGEM DOS MORTOS:

Os seis abriram os olhos simultaneamente. Pela primeira vez em toda a sua existência, Pandora estava enxergando. A maravilha da situação seria completa se ela não tivesse a certeza de que não respirava mais. Fitou o parque onde se encontrava. A sua frente, havia o mar. Kit não o notara quando estivera por lá, dias antes. Talvez para ela não fosse importante. O espírito sorriu e olhou para trás. Foi quando o viu: Aaron. Estava um pouco mais pálido que seu normal, mas parecia inteiro. E também lançava olhares confusos a sua volta. Até seus olhos se encontrarem com os de Pandora. Ele a abraçou, e notou que podia sentir o corpo dela. Isso porque estavam no mesmo plano físico. Se ele tentasse tocar qualquer pessoa viva, com certeza a atravessaria. –Me desculpe Pandora. Eu prometi…
-Era inevitável.
Ela vasculhou com os olhos a aparência dele. Era realmente irônico que, para concretizar seus sonhos, tivesse que morrer primeiro. Ficou nas pontas dos pés fazendo uma experiência simples. Beijou-o. E chegou a conclusão que os beijos desse lado eram tão bons quanto os do plano de lá. Os outros foram se reunindo. Dave e Taylor de mãos dadas, também estavam fascinados com o lugar. Dayana voltava a demonstrar sua hiperatividade, correndo para lá e para cá, testando as coisas, tocando as plantas. Fez menção de se dirigir ao mar, quando Taylor a segurou pela camisa fina que agora usava: -Quieta, Dayana. Estamos mortos. Nem assim você consegue sossegar?
-Me desculpe. Acho que faz parte da minha essência.
Aaron se contentou em erguer uma sobrancelha. Pandora girou em volta de si mesma, antes de alegar: -Isso é certo. Mas onde nós estamos?
-Tsc, tsc, tsc. A tal de Kit Black estava menos perdida quando chegou aqui do que vocês.
O grupo se desvirou e encarou um vulto de preto. Tirando o capuz que cobria seu rosto, replicou de modo descontraído: -Sou A Morte. Vocês estão na Passagem dos Mortos, os Campos da Morte.
-Ah, isso explica muita coisa… -Dayana comentou, andando em volta da Morte, como se estivesse avaliando-a. –O que você é, exatamente?
-Uma divindade pequena e capciosa. –Ela segurou Dayana para que parasse de rodar ao seu redor e sorriu pela primeira vez: -Venham comigo, senhoras e senhores, tenho umas palavrinhas para trocar com vocês, e esse não é um bom lugar para isso. Aparecem espíritos a cada segundo…
Ela os guiou até a mesma colina onde ficava o lago onde podia se ver o que ocorria no Mundo Real. Na metade do caminho, eles notaram uma bifurcação na trilha. Mais além, essa pequena trilha se dividia em duas: uma era formada por ladrilhos de mármore branco, e seguia para a direita. A outra era de obsidiana, e ia em direção a esquerda. Ao longe, podia se ver que ela enveredava por um caminho escuro e aterrador. No lugar onde as duas pistas se dividiam, havia uma plaquinha comum, de madeira, desgastada pelo tempo, onde estava escrito, numa caligrafia tombada: JULGAMENTO. VIRE À DIREITA PARA ATINGIR O CÉU. SIGA PELA ESQUERDA SE SEU DESTINO É O INFERNO.
-Sutil. –Comentou Aaron.
Morte lhe lançou um olhar pelo canto do olho. –As coisas por aqui são diretas. Não há meio termo… normalmente. Mas existem exceções. Kit é uma delas, e vocês também.
Pandora pensou em argumentar, mas se distraiu olhando para as trilhas. Agora que prestara bem atenção, aquele local estava apinhado de espíritos, de todas as formas diferentes. Como não notara aquilo antes? Em frente a placa, um rapaz de branco mantinha seus olhos num grande pergaminho. A cada espírito que chegava até ele, o rapaz dava outra olhada no manuscrito e apontava para uma das trilhas. A quantidade de gente que seguia pela esquerda era realmente maior que a daqueles destinados ao Céu.
-Eric parece estar atarefado hoje… -A Morte disse, fitando o rapaz ao longe.
Eles continuaram a subir, chegando ao topo da colina, e se reuniram em volta do lago. Morte cruzou os braços, enquanto olhava pensativa para o grupo de recém-mortos e fez um esgar.
-O que eu faço com vocês?
O grupo se entreolhou. –Como?
-Vocês vão ter uma segunda chance. Assim como Kit teve. Porém, é impossível trazê-los de volta a vida no momento, pelo estado em que estão seus corpos.
-Nossos corpos? –Alguém perguntou.
-Fiz questão de que vocês fossem impossibilitados de vê-los. Acreditem, não iam gostar. Não posso devolvê-los a vida, embora isso seja necessário.
-Necessário?
-Eu lhes disse, estão tendo uma segunda chance, estão sendo privilegiados. Mas seu privilégio terá de esperar. O que me deixa em uma situação delicada, pois, se tratando de reencarnações…
-Reencarnar? Vamos reencarnar?
-De certa forma. Normalmente, um espírito precisa de uma preparação mental delicada, e isso leva anos para se conseguir. Os espíritos mais evoluídos podem levar 100 anos para voltar à vida na Terra. Então, não posso deixá-los com os outros. Seria complicado. Estou pensando em mantê-los comigo até a hora chegar.
-Com você!?
-É, comigo. Observando o mundo lá em baixo, quando tenho tempo sobrando. Aprendendo. Embora seja inútil aprender algo, já que vamos apagar suas memórias quando vocês reencarnarem. Mas sempre fica algo importante gravado em seu espírito.
-E… quando voltaremos?
A Morte franziu o cenho, fazendo as contas mentalmente. Depois, respondeu: -Entre 2 a 5 anos.
-Até lá o mundo já acabou! –Protestou Dayana. -Haradja está mais forte, Diamond não tem esse tempo…
-Você está subestimando as pessoas que ficaram, menina. Eu sei muito mais do futuro que aparento. E se Deus disse para mandá-los daqui a 5 anos, com certeza haverá uma missão para vocês nessa época. E, acreditem, serão bem mais úteis dali para frente… Confiem em mim.
O grupo se olhou pela enésima vez: -Não temos escolha, a não ser confiar.
-Fiquem relaxados. Estarão juntos. O destino fará com que Dave e Taylor, e Pandora e Aaron, que não tiveram a oportunidade de estarem unidos, retomem sua relação, mesmo sem se lembrar do que houve antes. E Dayana… -Ela lhe lançou um olhar significativo. –Bem, você terá um papel mais importante do que pensa. Você será capaz de fazer bater um coração que, por muito tempo, não sabia o que é o Amor ou a Afeição.
Dayana deu de ombros, descrente. –Se você diz…
A Morte sorriu: -Vamos descer. Não posso deixar que vejam o mundo lá fora por enquanto, então é desnecessário que fiquemos aqui em cima.
-Por que trouxe a gente pra cá então?
-Porque é mais legal pra bater papo. –Resmungou a entidade. –Vamos, quero lhes apresentar alguém. –E, aumentando o tom de voz ao extremo: -Eric?
O rapaz fez uma cara muito zangada ao olha-la descer a colina com a antiga Equipe Black atrás. –Estou ocupado. O que você quer?
-Quero que conheça nossos novos… “hóspedes”.
-Sejam lá quem eles forem, não é da minha conta…
-Não seja tão antissocial…
-Qual a parte de “estou ocupado” você não entendeu, Morte?
Seriam os de 2 a 5 anos mais longos que Aaron, Pandora, Taylor, Dave e Dayana teriam de passar, em toda a sua existência.
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DIAS ATUAIS;
SEDE/MANSÃO BLACK:

Um sertanejo universitário tocando no último furo fazia o vidro das janelas tremerem. Parecia que a mansão estava indo abaixo. O refrão ficava repetindo sem parar. Algo como: delicia, delicia, assim você me mata/ai, se eu te pego…, o que faria qualquer roqueiro ter vontade de se suicidar caso fosse forçado a escutar.
-Sacha! Desliga esse troço, não consigo me concentrar aqui… -Protestou Kira, na saleta, tentando reprogramar o computador central, depois dele ter dado uma pane. Ao reparar que a ruiva ou não havia escutado, ou simplesmente estava ignorando-a, bufou e se dirigiu à sala principal, que ficava praticamente em frente. Notou Cloe sentada no sofá, com dois tampões de ouvido, resolvendo um sudoku difícil. Ela parou e levantou seus olhos, desligando-se da revista e arrancando os tampões:
-Diz pra mim que conseguiu consertar o computador.
Kira negou com a cabeça: -É impossível, com esse som horrível dentro dos meus ouvidos.
-A Iris não vai gostar disso…
-Ela ainda não voltou do Palácio de Granito?
-Se já tivesse voltado, isso aqui estaria num silêncio.
-Estaria um paraíso, você quer dizer.
Cloe deu de ombros: -Isso tem que parar, se você não consertar o computador, eu não posso me contatar com a Kit e os outros e não posso ajudá-los. Eu sou a estrategista, lembra?
-Sei, sei, mas mesmo tendo um cérebro do tamanho de um T-Rex adulto, vai ser improvável que você consiga pensar em algo com essa distração…
-Distração é elogio… Onde está o Crós?
-No laboratório dele, preparando alguma poção escabrosa.
Sacha desceu as escadas, sacudindo o corpo no ritmo da música. Usava uma saia jeans curta e uma blusa xadrez, mesclando rosa bebê e branco. O curto cabelo estava preso num micro rabo-de-cavalo, do qual algumas mechas escapavam. Parecia não prestar muita atenção a sua volta, pois quase tropeçou no sofá onde Cloe estava sentada.
-Olha pra onde anda, amiga, ou vai dar de cara no chão. –Alegou Cloe, segurando-a.
-Ah, valeu…
-Se eu fosse você ia desligar esse som agora, antes que a Iris…
A porta da frente se abriu com um estalo, deixando ver uma semi-fada estarrecida: -Por Ajax! Que som é esse?
-Música. -Respondeu inocentemente Sacha.
-Não pensei que a música do Mundo Real pudesse ser tão ruim.
-Chama isso de música? –Retrucou Kira.
-Eu chamo de poluição sonora. –Objetou Cloe, recolocando os tampões de ouvido.
O refrão continuava se repetindo. Iris já começava a ficar irritada. Ela cruzou a sala e subiu a escada. Quando chegou lá em cima, abriu a porta do próprio quarto, e quando ia se fechar lá dentro, chamou: -Sacha?
-Sim?
-VÁ OUVIR ISSO COM UM FONE DE OUVIDO OU EU VOU ENFIAR ESSE APARELHO DE SOM NOS SEUS OUVIDOS ATÉ ELE CHEGAR AO SEU CÉREBRO! –Ela gritou, batendo a porta do quarto. Sacha correu a fim de desligar o rádio, antes que Iris resolvesse cumprir a ameaça. Kira voltou à sala do computador, seguida de perto por Cloe.
-Vou tentar resolver isso o mais rápido possível. Assim você pode fazer seu trabalho.
-Só espero que eles ainda estejam vivos quando você terminar.

A loira de olhos verdes deu um sorriso de escárnio e começou a teclar códigos e senhas no computador. –Fica fria. Eles devem estar bem…


~Kit Black

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