30 de jul. de 2015

A menina que contava estrelas

Eu vou lhes contar uma história... ela não começa com “era uma vez”. Possivelmente não é nem mesmo um conto de fadas. As nossas amigas com asas de borboleta não estão presentes, e não tem absolutamente nada com esse assunto. Então, de que eu poderia chamar essas linhas, essas palavras que agora transcrevo?
Um conto de estrelas. Sim, me parece apropriado usar esse título.
Essa é uma pequena história sobre uma pequena garota, que tinha um trabalho muito especial. Seus olhos tinham de captar o brilho de uma estrela caída, para que desejos se realizassem.
Eu lhes apresento a jovem e solitária Bree, a menina que contava estrelas.


Não se sabe exatamente, até hoje, onde aquela criança morava. Conta-se que seu lugar de descanso estava além das montanhas e oceanos, na fronteira com o Fim do Mundo e Lugar Nenhum. Sua existência só era provada a partir de lendas, pois naquela época as palavras tinham muito poder.

O poder de mudar e de fazer acontecer. Um poder vivo e sublime.
Mas perdiam para o pensamento. Um pensamento tinha a força de um desejo, e os desejos eram a matéria-prima que regia o mundo. Era através deles que tudo se modificava e criava forma. Para o bem, e para o mal.
Porque até mesmo os vilões e as bruxas podem desejar, não é verdade?

Naquele lugar extremamente distante era onde Bree vivia. Lá as estrelas brilhavam com mais intensidade, assim como o sol. O céu era o mais azul possível durante o dia, mas a jovem menina raramente o observava, afinal era claramente noturna. Uma amante da lua e das estrelas, solitária, pois quem se lembrava de visitar uma garota no Fim do Mundo? Pouquíssimos seres se davam a esse trabalho.
Obviamente, haviam os exploradores, com sua infindável curiosidade, querendo saber até onde podiam chegar. Mas estes não davam-lhe a devida atenção. Eles sabiam o que ela era, claro. Um explorador tinha de conhecer cada lenda, cada pedaço do mundo, e quem ainda não havia ouvido falar na menina que contava estrelas? Entretanto, eles eram o tipo de gente que realizava os próprios desejos. Para tais pessoas, as estrelas cadentes são apenas uma causa, nunca um efeito.
Para tais pessoas, aquela criança nunca apareceria.

O que ela fazia, então, durante suas noites infinitas olhando o firmamento estrelado? Ela coletava estrelas cadentes. E todos sabemos, é claro, que quando as estrelas caem do céu, transformam-se em um desejo, se devidamente observadas. Eram necessários olhos afiados e atentos para fazer tal trabalho, sem dúvida! Ainda mais naquela época, quando muitas e muitas estrelas constantemente caiam do céu.
Levando isso em consideração, ser estrela também não era nada fácil. Nunca se sabia quando podiam desmaiar e despencar lá de cima. Às vezes elas usavam energia demais, e tal fato causava esses acidentes. Felizmente, existia Bree lá em baixo, para olhar por elas e torná-las o mais lindo dos desejos.
Porque, assim como todos sabem, aquela estrela cadente que não tem propósito, morre quando chega ao chão.

Bree não parecia se incomodar por ser a única no Fim do Mundo. Ela adormecia de dia, com a brisa eterna e fresca brincando entre seus cabelos, debaixo de uma enorme árvore ao lado de sua humilde cabana, numa colina verdejante. Apesar de ter uma cama deveras confortável, ela sempre preferia dormir ao relento, onde o vento cantava apenas para si. Era como se ouvisse um conto de suas conhecidas, as fadas, todos os dias.
E quando chegava a noite, ela se espreguiçava, batendo o pé na frondosa árvore acima de si, enquanto agarrava uma maçã que a mesma deixava cair e a mordia. Então finalmente subia pelos galhos, munida de seu par de olhos claros e possantes, e se acomodava no local mais alto para fazer seu habitual trabalho.
Ela acompanhava as estrelas que ocasionalmente caiam e as ligava mentalmente ao primeiro desejo que chegasse à sua cabeça. Os desejos mais profundos e importantes das pessoas ficavam gravados em seu coração e ela transmitia isso à azarada estrela, que então podia se transformar e buscar seu novo dono.
Bree não se lembrava desde quando havia começado a ouvir os pedidos em sua cabeça, foi a muito, muito tempo. Talvez ela sempre tivesse feito isso, e se já chegara a ser alguém diferente antes, não recordava-se mais. E por ser uma criatura além-do-tempo, isso pouco importava, de qualquer forma.

Um dia, a menina viu uma estrela cair. Certo, ela deveria estar acostumada a isso... não, não estava não. Porque desta vez a estrela que tentara focalizar não mudara seu caminho durante o ar, se tornando faíscas de luz. Ela literalmente despencou, afundou no lago que havia mais abaixo, deixando uma mínima coluna de fumaça escapar. Pela primeira vez em anos Bree quase caiu de sua adorada árvore, na tentativa de chegar em baixo o mais rápido possível.
Ela matara uma estrela? Não olhara o suficiente para ela? Não conectara os desejos direito, como sempre fazia? Seu pequeno coração dava saltos, enquanto ela corria colina abaixo, na direção do pequeno lago. Acabou tropeçando, rolando até a beira da água, ficando coberta de grama. Mas logo girou o corpo, de maneira que visse seu rosto refletido no espelho líquido. Afundou os braços, vagueando com esses lá em baixo por um tempo até sentir algo de consistência diferente entrelaçar-se neles.
Retirou as mãos da água, vendo o que era. Um serzinho minúsculo, cabia na palma de sua mão. Poderia jurar que tinha sugestão de forma humana, mas era dificil ter certeza. Brilhava tanto, numa luz amarelada, que seus contornos eram indistintos. Mas ela podia ver cabeça, braços e pernas, assim como uma boca e olhos... até mesmo cabelos, pelo que parecia. A criaturinha parecia morta, até que a menina a cutucasse levemente com o dedo. Então ela espirrou, indignada. Pôs-se sentada na palma dela, e começou a gesticular, numa voz tão baixa que mal dava para ser ouvida.
Bree precisou levá-la bem perto de sua orelha para entender o que dizia.
A voz era cristalina, parecia um sininho tocando. Um sininho muito mal-criado, aparentemente. Ela tilintava freneticamente, reclamando  sobre estar encharcada e por ter caído naquela poça fria. Sendo que, a julgar por seu tamanho, aquele lago poderia ser um oceano.
A menina estava encantada, e ao mesmo tempo surpresa. Normalmente, era para aquela estrela estar morta... e ela continuava a remexer o pequeno corpo, andando de um lado para o outro em sua mão. Um erro de cálculo, talvez? Mas no fundo estava feliz, afinal sua pequena companheira parecia bem.
- Por que não tornou-se um desejo?
- E como eu iria saber? - houve um movimento que lembrava muito um cruzar de braços, enquanto a estrela parava de andar e a fitava ansiosamente de baixo. - Precisas me mandar de volta. Minhas irmãs estão a minha espera.
- Eu não sei como fazer isso.
- É a menina que realiza desejos, não é? Deveria ser fácil para alguém como ti.
Bree apenas meneou a cabeça, levantando-se e carregando a pequena estrela consigo. Deixou que esta subisse em seu ombro, de maneira que ficasse mais fácil para entender o que a mesma falava, por estar mais próxima a seus ouvidos. - Não é bem assim que as coisas funcionam. Era para você tornar-se um desejo, mas algo saiu errado.
- O quê?
- Não faço ideia. Mas vou secá-la antes de tudo, e depois podemos resolver isso, está bem?
A criaturinha bufou, irritadiça. Para uma estrela cadente, era extremamente orgulhosa! Mas no fundo era até mesmo boa, e mesmo com a desastrosa assistência de Bree, ambas se tornaram com o passar do tempo, amigas.
A estrela tinha um nome dificil e estranho. Porque os astros, em geral, tem nomes muito longos, que lembram sinfonias tocadas, e não palavras. Então, para se referir a mesma sem que usasse o termo “estrela cadente” - o que a criatura achava uma ofensa gravíssima – a menina usava o nome de Stella. O qual não agradava completamente sua nova amiga, mas pelo menos era-lhe mais satisfatório.
Apesar de seu temperamento explosivo, Stella nunca mais deixou Bree. Talvez pelo fato de não poder voltar para casa, por não ter achado um dono, por ser melhor que morrer apagada ou porque simplesmente se apegara à garota. Ela dormia embaixo dos cabelos da cor do mar que a menina tinha, enquanto o sol estava alto no céu, e acordava junto da mesma. Bree oferecera até mesmo parte de sua maçã diária para ela, mas todo mundo sabe que estrelas não comem frutas.
As duas observavam o firmamento juntas, enquanto trocavam palavras... Stella sempre aninhada no ombro de Bree, enrodilhada em seus cabelos, o que fazia a menina ter de penteá-los cuidadosamente com a chegada da manhã. Afinal, se não fizesse tal coisa suas madeixas acabariam se transformando num ninho de pássaro.

Uma estrela tem uma vida muito, muito longa. Ela se extende através dos séculos com facilidade, ultrapassando eras. Uma existência tão extensa quanto a daqueles que estão fora do tempo. Que companhia seria mais adequada que esta, para uma garota que tem a infinidade pela frente?
Há quem diga que a estrela está viva até hoje, no lugar que se tornara seu por direito. Sobre o ombro de Bree, observando suas irmãs noite após noite. Ela já não sente falta de casa, e sua cor já começou a tornar-se avermelhada, talvez por causa da idade. Mas Bree nunca toca no assunto, pois a ideia de estar velha poderia causar um verdadeiro escândalo de sua pequena amiga.

No Fim do Mundo, além de todas as coisas, na fronteira entre o que Existe e o que Não-existe, havia uma menina que contava estrelas. Sua função era tornar os desejos mais profundos em realidade, salvando as estrelas que caiam do céu do esquecimento e da morte. Em seu ombro, até o fim dos tempos, está sua única amiga, uma estrela muito especial.
Pois o que Bree nunca parou para pensar ou imaginar, é que Stella tinha um dono, de fato. Ela nascera de seu próprio coração, seu próprio desejo. A estrela descera dos céus com o destino pré-definido, um propósito que ela não percebeu ter lhe dado: o de estar com ela, ser sua companheira até o último badalar do relógio.
Ou até que sua luz, enfim, se apague.


Fim...


~KitBlack


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