A menina que contava estrelas
Eu vou lhes contar uma
história... ela não começa com “era uma vez”. Possivelmente não é nem mesmo um
conto de fadas. As nossas amigas com asas de borboleta não estão presentes, e
não tem absolutamente nada com esse assunto. Então, de que eu poderia chamar
essas linhas, essas palavras que agora transcrevo?
Um conto de estrelas. Sim, me
parece apropriado usar esse título.
Essa é uma pequena história sobre
uma pequena garota, que tinha um trabalho muito especial. Seus olhos tinham de
captar o brilho de uma estrela caída, para que desejos se realizassem.
Eu lhes apresento a jovem e
solitária Bree, a menina que contava estrelas.
Não se sabe exatamente, até hoje,
onde aquela criança morava. Conta-se que seu lugar de descanso estava além das
montanhas e oceanos, na fronteira com o Fim do Mundo e Lugar Nenhum. Sua
existência só era provada a partir de lendas, pois naquela época as palavras
tinham muito poder.
O
poder de mudar e de fazer acontecer. Um poder vivo e sublime.
Mas
perdiam para o pensamento. Um pensamento tinha a força de um desejo, e os
desejos eram a matéria-prima que regia o mundo. Era através deles que tudo se
modificava e criava forma. Para o bem, e para o mal.
Porque
até mesmo os vilões e as bruxas podem desejar, não é verdade?
Naquele lugar extremamente
distante era onde Bree vivia. Lá as estrelas brilhavam com mais intensidade,
assim como o sol. O céu era o mais azul possível durante o dia, mas a jovem
menina raramente o observava, afinal era claramente noturna. Uma amante da lua
e das estrelas, solitária, pois quem se lembrava de visitar uma garota no Fim
do Mundo? Pouquíssimos seres se davam a esse trabalho.
Obviamente, haviam os
exploradores, com sua infindável curiosidade, querendo saber até onde podiam
chegar. Mas estes não davam-lhe a devida atenção. Eles sabiam o que ela era,
claro. Um explorador tinha de conhecer cada lenda, cada pedaço do mundo, e quem
ainda não havia ouvido falar na menina que contava estrelas? Entretanto, eles
eram o tipo de gente que realizava os próprios desejos. Para tais pessoas, as
estrelas cadentes são apenas uma causa, nunca um efeito.
Para tais pessoas, aquela criança
nunca apareceria.
O que ela fazia, então, durante
suas noites infinitas olhando o firmamento estrelado? Ela coletava
estrelas cadentes. E todos sabemos, é claro, que quando as estrelas caem do
céu, transformam-se em um desejo, se devidamente observadas. Eram necessários
olhos afiados e atentos para fazer tal trabalho, sem dúvida! Ainda mais naquela
época, quando muitas e muitas estrelas constantemente caiam do céu.
Levando isso em consideração, ser
estrela também não era nada fácil. Nunca se sabia quando podiam desmaiar e
despencar lá de cima. Às vezes elas usavam energia demais, e tal fato causava
esses acidentes. Felizmente, existia Bree lá em baixo, para olhar por elas e
torná-las o mais lindo dos desejos.
Porque, assim como todos sabem,
aquela estrela cadente que não tem propósito, morre quando chega ao chão.
Bree não parecia se incomodar por
ser a única no Fim do Mundo. Ela adormecia de dia, com a brisa eterna e fresca
brincando entre seus cabelos, debaixo de uma enorme árvore ao lado de sua
humilde cabana, numa colina verdejante. Apesar de ter uma cama deveras
confortável, ela sempre preferia dormir ao relento, onde o vento cantava apenas
para si. Era como se ouvisse um conto de suas conhecidas, as fadas, todos os
dias.
E quando chegava a noite, ela se
espreguiçava, batendo o pé na frondosa árvore acima de si, enquanto agarrava
uma maçã que a mesma deixava cair e a mordia. Então finalmente subia pelos
galhos, munida de seu par de olhos claros e possantes, e se acomodava no local
mais alto para fazer seu habitual trabalho.
Ela acompanhava as estrelas que
ocasionalmente caiam e as ligava mentalmente ao primeiro desejo que chegasse à
sua cabeça. Os desejos mais profundos e importantes das pessoas ficavam
gravados em seu coração e ela transmitia isso à azarada estrela, que então
podia se transformar e buscar seu novo dono.
Bree não se lembrava desde quando
havia começado a ouvir os pedidos em sua cabeça, foi a muito, muito tempo.
Talvez ela sempre tivesse feito isso, e se já chegara a ser alguém diferente
antes, não recordava-se mais. E por ser uma criatura além-do-tempo, isso pouco
importava, de qualquer forma.
Um dia, a menina viu uma estrela
cair. Certo, ela deveria estar acostumada a isso... não, não estava não. Porque
desta vez a estrela que tentara focalizar não mudara seu caminho durante o ar,
se tornando faíscas de luz. Ela literalmente despencou, afundou no lago que
havia mais abaixo, deixando uma mínima coluna de fumaça escapar. Pela primeira
vez em anos Bree quase caiu de sua adorada árvore, na tentativa de chegar em
baixo o mais rápido possível.
Ela matara uma estrela? Não
olhara o suficiente para ela? Não conectara os desejos direito, como sempre
fazia? Seu pequeno coração dava saltos, enquanto ela corria colina abaixo, na
direção do pequeno lago. Acabou tropeçando, rolando até a beira da água,
ficando coberta de grama. Mas logo girou o corpo, de maneira que visse seu
rosto refletido no espelho líquido. Afundou os braços, vagueando com esses lá
em baixo por um tempo até sentir algo de consistência diferente entrelaçar-se
neles.
Retirou as mãos da água, vendo o
que era. Um serzinho minúsculo, cabia na palma de sua mão. Poderia jurar que
tinha sugestão de forma humana, mas era dificil ter certeza. Brilhava tanto,
numa luz amarelada, que seus contornos eram indistintos. Mas ela podia ver
cabeça, braços e pernas, assim como uma boca e olhos... até mesmo cabelos, pelo
que parecia. A criaturinha parecia morta, até que a menina a cutucasse
levemente com o dedo. Então ela espirrou, indignada. Pôs-se sentada na palma
dela, e começou a gesticular, numa voz tão baixa que mal dava para ser ouvida.
Bree precisou levá-la bem perto
de sua orelha para entender o que dizia.
A voz era cristalina, parecia um
sininho tocando. Um sininho muito mal-criado, aparentemente. Ela tilintava
freneticamente, reclamando sobre estar
encharcada e por ter caído naquela poça fria. Sendo que, a julgar por seu
tamanho, aquele lago poderia ser um oceano.
A menina estava encantada, e ao
mesmo tempo surpresa. Normalmente, era para aquela estrela estar morta... e ela
continuava a remexer o pequeno corpo, andando de um lado para o outro em sua
mão. Um erro de cálculo, talvez? Mas no fundo estava feliz, afinal sua pequena
companheira parecia bem.
- Por que não tornou-se um
desejo?
- E como eu iria saber? - houve
um movimento que lembrava muito um cruzar de braços, enquanto a estrela parava
de andar e a fitava ansiosamente de baixo. - Precisas me mandar de volta.
Minhas irmãs estão a minha espera.
- Eu não sei como fazer isso.
- É a menina que realiza desejos,
não é? Deveria ser fácil para alguém como ti.
Bree apenas meneou a cabeça,
levantando-se e carregando a pequena estrela consigo. Deixou que esta subisse
em seu ombro, de maneira que ficasse mais fácil para entender o que a mesma
falava, por estar mais próxima a seus ouvidos. - Não é bem assim que as coisas
funcionam. Era para você tornar-se um desejo, mas algo saiu errado.
- O quê?
- Não faço ideia. Mas vou secá-la
antes de tudo, e depois podemos resolver isso, está bem?
A criaturinha bufou, irritadiça.
Para uma estrela cadente, era extremamente orgulhosa! Mas no fundo era até
mesmo boa, e mesmo com a desastrosa assistência de Bree, ambas se tornaram com
o passar do tempo, amigas.
A estrela tinha um nome dificil e
estranho. Porque os astros, em geral, tem nomes muito longos, que lembram
sinfonias tocadas, e não palavras. Então, para se referir a mesma sem que
usasse o termo “estrela cadente” - o que a criatura achava uma ofensa
gravíssima – a menina usava o nome de Stella. O qual não agradava completamente
sua nova amiga, mas pelo menos era-lhe mais satisfatório.
Apesar de seu temperamento
explosivo, Stella nunca mais deixou Bree. Talvez pelo fato de não poder voltar
para casa, por não ter achado um dono, por ser melhor que morrer apagada ou
porque simplesmente se apegara à garota. Ela dormia embaixo dos cabelos da cor
do mar que a menina tinha, enquanto o sol estava alto no céu, e acordava junto
da mesma. Bree oferecera até mesmo parte de sua maçã diária para ela, mas todo
mundo sabe que estrelas não comem frutas.
As duas observavam o firmamento
juntas, enquanto trocavam palavras... Stella sempre aninhada no ombro de Bree,
enrodilhada em seus cabelos, o que fazia a menina ter de penteá-los
cuidadosamente com a chegada da manhã. Afinal, se não fizesse tal coisa suas
madeixas acabariam se transformando num ninho de pássaro.
Uma estrela tem uma vida muito, muito
longa. Ela se extende através dos séculos com facilidade, ultrapassando eras.
Uma existência tão extensa quanto a daqueles que estão fora do tempo. Que
companhia seria mais adequada que esta, para uma garota que tem a infinidade
pela frente?
Há quem diga que a estrela está
viva até hoje, no lugar que se tornara seu por direito. Sobre o ombro de Bree,
observando suas irmãs noite após noite. Ela já não sente falta de casa, e sua
cor já começou a tornar-se avermelhada, talvez por causa da idade. Mas Bree
nunca toca no assunto, pois a ideia de estar velha poderia causar um verdadeiro
escândalo de sua pequena amiga.
No Fim do Mundo, além de todas as
coisas, na fronteira entre o que Existe e o que Não-existe, havia uma menina
que contava estrelas. Sua função era tornar os desejos mais profundos em
realidade, salvando as estrelas que caiam do céu do esquecimento e da morte. Em
seu ombro, até o fim dos tempos, está sua única amiga, uma estrela muito
especial.
Pois o que Bree nunca parou para
pensar ou imaginar, é que Stella tinha um dono, de fato. Ela nascera de seu
próprio coração, seu próprio desejo. A estrela descera dos céus com o destino
pré-definido, um propósito que ela não percebeu ter lhe dado: o de estar com
ela, ser sua companheira até o último badalar do relógio.
Ou até que sua luz, enfim, se
apague.
Fim...
~KitBlack
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