Quinto
capítulo: Escamas e muito fogo! (parte I).
Existem
vários meios para conseguir fogo. Esfregar dois pauzinhos secos até
produzir faíscas, esperar um raio cair numa árvore, trazer um
isqueiro com você, ou ir se meter com um dragão. E a última opção
é tiro e queda para que, além de arranjar fogo, você vire um monte
de cinzas. Mas isso não impede algumas pessoas de ir procurar um ser
desses, por motivos mais ou menos importantes. São monstros enormes,
com corpos semelhantes aos de lagartos, cabeças de serpentes,
chifres e asas de morcego enormes, para não falar na fileira de
dentes colossais e que são capazes de soltar fogo pela boca e/ou
narinas. Normalmente tem um número sem igual de variações de
espécies, e em cada canto existe um grupo com particularidades que
não se vê em nenhum outro.
Diamond
tem sua maioria de dragões organizada numa cidade quase puramente
vulcânica: Dragon. Como são monstros realmente inteligentes (em sua
maioria), a cidade está sob o seu poder. Poucos humanos ousam se
aventurar em suas terras, por pavor de serem devorados. Poucos
dragões têm afinidade com humanos, de modo que era raro alguém
entrar em Dragon, ou algum dragão sair de lá. E tudo ainda estava
neste pé, antes da primeira vez que Kit sai-se numa missão.
Afinal,
a Equipe Black não acabou. Com muita dificuldade e pesar, Iris
conseguiu dar a volta por cima e, com os novatos, formou uma nova
Equipe. Uma Equipe maior e tão poderosa quanto a última, até mais.
A adaptação fora difícil, no início. Depois daquela chacina,
todos ficavam desanimados a entrar na sala de treinamento. Mas aquilo
era necessário. Eles foram separados em dois grupos: o grupo de
campo, que sairia para completar missões; e o grupo de apoio, que
trabalhava dentro da sede e tinha a função de passar informações
para o que estava fora.
No
grupo de apoio, se encontravam a inteligente Cloe, como estrategista;
Sacha, como vigia (o que era desnecessário, porque estavam numa
fortaleza impenetrável, mas não acharam trabalho que ela pudesse se
encaixar); Iris, que voltara-se a um papel burocrático e se recusava
a deixar a sede, mesmo sendo a líder; e Kira, que era notavelmente
boa com programas e chegara ao posto de programadora e mecânica
oficial.
Crós
fazia parte dos dois grupos, por ser um feiticeiro e um curandeiro
nato. Era difícil conseguir arrancar um sorriso do seu rosto agora,
mas Kit conseguia essa façanha. Ela tentava a todo custo ser uma boa
aprendiz, e pegara a mesma mania de Pandora, sem saber: chamá-lo
pelo segundo nome, Salem. Da primeira vez que o chamou, quase o fez
chorar. Ele sentia um nó na garganta, mas sabia que ela não tinha
culpa. Acabou por se acostumar, finalmente, e tornou-se comum, depois
de uma poção dar errado e quase demolir a mansão, um grito
estridente sair de sua boca: -Salem! Tá tentando me matar?
No
grupo de campo, se juntavam Kensuke, como arrombador (tinha mostrado
uma intensa habilidade nessa área, em todas as sessões de treino);
Hiei, o piloto; e Mitaray e Kit, como batedores. Os dois se deram
muito bem juntos, e sua amizade foi ficando incontestável.
Kit,
por si mesma, dava sempre o seu melhor. Tinha uma missão difícil
nos ombros, e um juramento feito, no mais alto terror daquela manhã
fatídica quando encontrara a Equipe anterior morta: que nunca mais
veria aquela tristeza e desilusão estampadas nos rostos das pessoas
que gostava. Haradja teria o que merecia, cedo ou tarde. E ela queria
estar na frente da operação quando isso acontecesse. Mas ainda era
cedo pra isso. Só havia se passado um mês desde o incidente, e eles
se preparavam pra sua primeira missão que, aliás, não tinha nada a
ver com Haradja…
Eles
se preparavam para ir cumprir essa incumbência nesse instante.
Entretanto, é preciso dizer que havia algumas pessoas velando por
eles, de uma colina alta e coberta de uma grama verde quase
cintilante, observando-os por meio de um lago minúsculo. Parece-lhe
familiar, caro leitor?
UM
MÊS ATRÁS;
CAMPOS
DA MORTE - PASSAGEM DOS MORTOS:
Os
seis abriram os olhos simultaneamente. Pela primeira vez em toda a
sua existência, Pandora estava enxergando. A maravilha da situação
seria completa se ela não tivesse a certeza de que não respirava
mais. Fitou o parque onde se encontrava. A sua frente, havia o mar.
Kit não o notara quando estivera por lá, dias antes. Talvez para
ela não fosse importante. O espírito sorriu e olhou para trás. Foi
quando o viu: Aaron. Estava um pouco mais pálido que seu normal, mas
parecia inteiro. E também lançava olhares confusos a sua volta. Até
seus olhos se encontrarem com os de Pandora. Ele a abraçou, e notou
que podia sentir o corpo dela. Isso porque estavam no mesmo plano
físico. Se ele tentasse tocar qualquer pessoa viva, com certeza a
atravessaria. –Me desculpe Pandora. Eu prometi…
-Era
inevitável.
Ela
vasculhou com os olhos a aparência dele. Era realmente irônico que,
para concretizar seus sonhos, tivesse que morrer primeiro. Ficou nas
pontas dos pés fazendo uma experiência simples. Beijou-o. E chegou
a conclusão que os beijos desse lado eram tão bons quanto os do
plano de lá. Os outros foram se reunindo. Dave e Taylor de mãos
dadas, também estavam fascinados com o lugar. Dayana voltava a
demonstrar sua hiperatividade, correndo para lá e para cá, testando
as coisas, tocando as plantas. Fez menção de se dirigir ao mar,
quando Taylor a segurou pela camisa fina que agora usava: -Quieta,
Dayana. Estamos mortos. Nem assim você consegue sossegar?
-Me
desculpe. Acho que faz parte da minha essência.
Aaron
se contentou em erguer uma sobrancelha. Pandora girou em volta de si
mesma, antes de alegar: -Isso é certo. Mas onde nós estamos?
-Tsc,
tsc, tsc. A tal de Kit Black estava menos perdida quando chegou aqui
do que vocês.
O
grupo se desvirou e encarou um vulto de preto. Tirando o capuz que
cobria seu rosto, replicou de modo descontraído: -Sou A Morte. Vocês
estão na Passagem dos Mortos, os Campos da Morte.
-Ah,
isso explica muita coisa… -Dayana comentou, andando em volta da
Morte, como se estivesse avaliando-a. –O que você é, exatamente?
-Uma
divindade pequena e capciosa. –Ela segurou Dayana para que parasse
de rodar ao seu redor e sorriu pela primeira vez: -Venham comigo,
senhoras e senhores, tenho umas palavrinhas para trocar com vocês, e
esse não é um bom lugar para isso. Aparecem espíritos a cada
segundo…
Ela
os guiou até a mesma colina onde ficava o lago onde podia se ver o
que ocorria no Mundo Real. Na metade do caminho, eles notaram uma
bifurcação na trilha. Mais além, essa pequena trilha se dividia em
duas: uma era formada por ladrilhos de mármore branco, e seguia para
a direita. A outra era de obsidiana, e ia em direção a esquerda. Ao
longe, podia se ver que ela enveredava por um caminho escuro e
aterrador. No lugar onde as duas pistas se dividiam, havia uma
plaquinha comum, de madeira, desgastada pelo tempo, onde estava
escrito, numa caligrafia tombada: JULGAMENTO. VIRE À DIREITA PARA
ATINGIR O CÉU. SIGA PELA ESQUERDA SE SEU DESTINO É O INFERNO.
-Sutil.
–Comentou Aaron.
Morte
lhe lançou um olhar pelo canto do olho. –As coisas por aqui são
diretas. Não há meio termo… normalmente. Mas existem exceções.
Kit é uma delas, e vocês também.
Pandora
pensou em argumentar, mas se distraiu olhando para as trilhas. Agora
que prestara bem atenção, aquele local estava apinhado de
espíritos, de todas as formas diferentes. Como não notara aquilo
antes? Em frente a placa, um rapaz de branco mantinha seus olhos num
grande pergaminho. A cada espírito que chegava até ele, o rapaz
dava outra olhada no manuscrito e apontava para uma das trilhas. A
quantidade de gente que seguia pela esquerda era realmente maior que
a daqueles destinados ao Céu.
-Eric
parece estar atarefado hoje… -A Morte disse, fitando o rapaz ao
longe.
Eles
continuaram a subir, chegando ao topo da colina, e se reuniram em
volta do lago. Morte cruzou os braços, enquanto olhava pensativa
para o grupo de recém-mortos e fez um esgar.
-O
que eu faço com vocês?
O
grupo se entreolhou. –Como?
-Vocês
vão ter uma segunda chance. Assim como Kit teve. Porém, é
impossível trazê-los de volta a vida no momento, pelo estado em que
estão seus corpos.
-Nossos
corpos? –Alguém perguntou.
-Fiz
questão de que vocês fossem impossibilitados de vê-los. Acreditem,
não iam gostar. Não posso devolvê-los a vida, embora isso seja
necessário.
-Necessário?
-Eu
lhes disse, estão tendo uma segunda chance, estão sendo
privilegiados. Mas seu privilégio terá de esperar. O que me deixa
em uma situação delicada, pois, se tratando de reencarnações…
-Reencarnar?
Vamos reencarnar?
-De
certa forma. Normalmente, um espírito precisa de uma preparação
mental delicada, e isso leva anos para se conseguir. Os espíritos
mais evoluídos podem levar 100 anos para voltar à vida na Terra.
Então, não posso deixá-los com os outros. Seria complicado. Estou
pensando em mantê-los comigo até a hora chegar.
-Com
você!?
-É,
comigo. Observando o mundo lá em baixo, quando tenho tempo sobrando.
Aprendendo. Embora seja inútil aprender algo, já que vamos apagar
suas memórias quando vocês reencarnarem. Mas sempre fica algo
importante gravado em seu espírito.
-E…
quando voltaremos?
A
Morte franziu o cenho, fazendo as contas mentalmente. Depois,
respondeu: -Entre 2 a 5 anos.
-Até
lá o mundo já acabou! –Protestou Dayana. -Haradja está mais
forte, Diamond não tem esse tempo…
-Você
está subestimando as pessoas que ficaram, menina. Eu sei muito mais
do futuro que aparento. E se Deus disse para mandá-los daqui a 5
anos, com certeza haverá uma missão para vocês nessa época. E,
acreditem, serão bem mais úteis dali para frente… Confiem em mim.
O
grupo se olhou pela enésima vez: -Não temos escolha, a não ser
confiar.
-Fiquem
relaxados. Estarão juntos. O destino fará com que Dave e Taylor, e
Pandora e Aaron, que não tiveram a oportunidade de estarem unidos,
retomem sua relação, mesmo sem se lembrar do que houve antes. E
Dayana… -Ela lhe lançou um olhar significativo. –Bem, você terá
um papel mais importante do que pensa. Você será capaz de fazer
bater um coração que, por muito tempo, não sabia o que é o Amor
ou a Afeição.
Dayana
deu de ombros, descrente. –Se você diz…
A
Morte sorriu: -Vamos descer. Não posso deixar que vejam o mundo lá
fora por enquanto, então é desnecessário que fiquemos aqui em
cima.
-Por
que trouxe a gente pra cá então?
-Porque
é mais legal pra bater papo. –Resmungou a entidade. –Vamos,
quero lhes apresentar alguém. –E, aumentando o tom de voz ao
extremo: -Eric?
O
rapaz fez uma cara muito zangada ao olha-la descer a colina com a
antiga Equipe Black atrás. –Estou ocupado. O que você quer?
-Quero
que conheça nossos novos… “hóspedes”.
-Sejam
lá quem eles forem, não é da minha conta…
-Não
seja tão antissocial…
-Qual
a parte de “estou ocupado” você não entendeu, Morte?
Seriam
os de 2 a 5 anos mais longos que Aaron, Pandora, Taylor, Dave e
Dayana teriam de passar, em toda a sua existência.
DIAS
ATUAIS;
SEDE/MANSÃO
BLACK:
Um
sertanejo universitário tocando no último furo fazia o vidro das
janelas tremerem. Parecia que a mansão estava indo abaixo. O refrão
ficava repetindo sem parar. Algo como: delicia,
delicia, assim você me mata/ai, se eu te pego…,
o que faria qualquer roqueiro ter vontade de se suicidar caso fosse
forçado a escutar.
-Sacha!
Desliga esse troço, não consigo me concentrar aqui… -Protestou
Kira, na saleta, tentando reprogramar o computador central, depois
dele ter dado uma pane. Ao reparar que a ruiva ou não havia
escutado, ou simplesmente estava ignorando-a, bufou e se dirigiu à
sala principal, que ficava praticamente em frente. Notou Cloe sentada
no sofá, com dois tampões de ouvido, resolvendo um sudoku difícil.
Ela parou e levantou seus olhos, desligando-se da revista e
arrancando os tampões:
-Diz
pra mim que conseguiu consertar o computador.
Kira
negou com a cabeça: -É impossível, com esse som horrível dentro
dos meus ouvidos.
-A
Iris não vai gostar disso…
-Ela
ainda não voltou do Palácio de Granito?
-Se
já tivesse voltado, isso aqui estaria num silêncio.
-Estaria
um paraíso, você quer dizer.
Cloe
deu de ombros: -Isso tem que parar, se você não consertar o
computador, eu não posso me contatar com a Kit e os outros e não
posso ajudá-los. Eu sou a estrategista, lembra?
-Sei,
sei, mas mesmo tendo um cérebro do tamanho de um T-Rex adulto, vai
ser improvável que você consiga pensar em algo com essa distração…
-Distração
é elogio… Onde está o Crós?
-No
laboratório dele, preparando alguma poção escabrosa.
Sacha
desceu as escadas, sacudindo o corpo no ritmo da música. Usava uma
saia jeans curta e uma blusa xadrez, mesclando rosa bebê e branco. O
curto cabelo estava preso num micro rabo-de-cavalo, do qual algumas
mechas escapavam. Parecia não prestar muita atenção a sua volta,
pois quase tropeçou no sofá onde Cloe estava sentada.
-Olha
pra onde anda, amiga, ou vai dar de cara no chão. –Alegou Cloe,
segurando-a.
-Ah,
valeu…
-Se
eu fosse você ia desligar esse som agora, antes que a Iris…
A
porta da frente se abriu com um estalo, deixando ver uma semi-fada
estarrecida: -Por Ajax! Que som é esse?
-Música.
-Respondeu inocentemente Sacha.
-Não
pensei que a música do Mundo Real pudesse ser tão ruim.
-Chama
isso de música? –Retrucou Kira.
-Eu
chamo de poluição sonora. –Objetou Cloe, recolocando os tampões
de ouvido.
O
refrão continuava se repetindo. Iris já começava a ficar irritada.
Ela cruzou a sala e subiu a escada. Quando chegou lá em cima, abriu
a porta do próprio quarto, e quando ia se fechar lá dentro, chamou:
-Sacha?
-Sim?
-VÁ
OUVIR ISSO COM UM FONE DE OUVIDO OU EU VOU ENFIAR ESSE APARELHO DE
SOM NOS SEUS OUVIDOS ATÉ ELE CHEGAR AO SEU CÉREBRO! –Ela gritou,
batendo a porta do quarto. Sacha correu a fim de desligar o rádio,
antes que Iris resolvesse cumprir a ameaça. Kira voltou à sala do
computador, seguida de perto por Cloe.
-Vou
tentar resolver isso o mais rápido possível. Assim você pode fazer
seu trabalho.
-Só
espero que eles ainda estejam vivos quando você terminar.
A
loira de olhos verdes deu um sorriso de escárnio e começou a teclar
códigos e senhas no computador. –Fica fria. Eles devem estar bem…
~Kit Black
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