Terceiro
capítulo: Remorso (parte II).
O
avião pousou em um lago, perto do Arco Do Triunfo, e todos saíram
juntos. Logo estavam andando pelas ruas movimentadas, os olhos sendo
iluminados pelo sol e pelas fachadas de beleza rara ao seu redor.
Alyson
abriu um sorriso de admiração enquanto passava, mas logo se
controlou. Tinha coisas mais urgentes para pensar... Entre elas
perguntas urgentes ainda sem resposta plausível.
-Vamos
tentar não ficarmos muito tempo por aqui, crianças… -Dizia Crós,
antes de ter sido interrompido por olhares ameaçadores. -Perdão,
jovens. Ainda temos que procurar um amigo meu em Veneza, e pretendo
que todos nós atravessemos o portal ainda hoje.
Alyson
tinha ficado mais atrás e, com um olhar assustado, viu uma sombra
negra passar bem ao seu lado. Ela seguiu-a com o olhar e viu o ser
virar uma esquina. Continuou observando pelo canto dos olhos,
enquanto andava para frente. Ken, que vinha logo a sua frente, também
sentiu algo e virou-se. Os dois se chocaram.
-Posso
saber o que você pensa que está fazendo? -Perguntou Ken, olhando em
volta, provavelmente em busca da fonte de energia maligna. A garota,
que já se preparava para ir atrás da sombra antes da colisão, se
desconcentrou e o encarou: -Eu? Foi você que virou do nada e ainda
por cima sem avisar...
-Se
estivesse olhando para frente em vez de para as vitrines isso não
teria acontecido.
-Eu
não estava olhando para as vitrines... –Ela protestou. -Espera ai,
você não viu?
-Não
vi o que?
-A
sombra... Passou do nosso lado.
-Eu
senti alguma coisa passar por mim. Apenas isso.
-Deixe-me
adivinhar... Acha que estou louca?
-Vai
começar... E você não disse que ia fingir que nunca me conheceu?
Vamos logo, antes que o Crós fique reclamando.
-Francamente!
Tenho certeza que não é com o Crós que está preocupado, não é?
-Francamente
digo eu. Você está ficando paranoica!
-Eu
discordo. Diria que está com medo.
-Com
medo de que, sua fedelha desequilibrada? -Questionou Ken virando-se e
apertando o passo para alcançar os outros. Alyson foi ao seu lado...
-Você
gosta de mim, Ken, pode negar até para si mesmo o quanto quiser. Tem
medo de que eu conheça aqui alguém muito melhor do que você, e que
eu prefira ficar aqui com ele a ir contigo. Tem pavor de me perder.
Negue, se puder.
Ken
continuou calado, seu rosto impassível. Ela questionou: -É verdade,
não é?
-Não,
você está completamente enganada. -Era uma grande mentira, e ele
estava ciente disso.
Alyson
calou-se e ficou remoendo sua dor em silêncio. Então, tudo que ele
lhe dissera depois de ela ter voltado à vida era mentira? Era
complicado... Muito complicado. Eles se juntaram aos outros. Estavam
à frente da Torre Eiffel. Um rapaz claro, de cabelos acaju e olhos
claros estava sentado confortavelmente numa cadeira. Devia ter a
idade de Ken. Na sua frente havia uma mesa e mais três cadeiras. Ele
usava uma boina preta, um sobretudo marrom sobre uma camisa comum
branca e calças jeans.
Em
suas mãos repousava um falcão, de penas escuras e olhos tão
aguçados como deviam ser as garras que se prendiam a mão do rapaz,
sem machucá-lo. O pássaro era um exemplar dos menores, mas mesmo
assim apresentava uma postura de dar medo, uma graciosidade digna de
sua espécie e ar de indiferença, apesar de estar atento a tudo em
seu redor.
A
prova do ultimo item veio quando o grupo se aproximou: a ave piou
alto e girou a cabeça para o rosto do dono, piando pela segunda vez,
agora mais baixo. O rapaz pareceu entender o recado, porque logo
olhou em direção ao grupo. Cloe sentiu um arrepio. Apesar de ser um
olhar inocente, penetrava tão fundo como o do falcão. Era quase
desconfortante. Parecia que ele poderia ler o que se passava na mente
dela só com olhos.
Ela
desviou os olhos e ele voltou a olhar para o magnífico monumento a
sua frente. Seus lábios se contraíram levemente e ele disse, numa
voz cristalina: -Merveilleux, non? -Mas notando o silêncio e a cara
de “em? Eu não falo Francês” deles, repetiu em português:
-Maravilhosa, não?
O
grupo se entreolhou. De que ele estava falando?
Alyson,
um pouco mais ligada agora, acotovelou Crós de leve e informou, de
um modo que só eles pudessem ouvir: -A Torre Eiffel. Ele está
falando da Torre Eiffel.
O
feiticeiro ficou visivelmente constrangido e replicou, no mesmo tom:
-Eu sabia.
-Sei,
vou fingir que acredito. - Retornou a jovem, debochada. E se
aproximando do desconhecido, respondeu, finalmente, a sua aclamação:
-É, concordo com você.
Ele
deu um sorriso satisfeito e fitou o grupo de novo. Principalmente,
claro, a bela garota de cabelos negros e olhos castanho-esverdeados
que o respondeu. -O que quatro brasileiros andam fazendo por aqui?
-Como
sabe que viemos do Brasil? -Questionou Cloe.
-Vocês
falam português mas não tem aquele sotaque forte de Portugal. E
conheço um brasileiro quando vejo um. É uma questão de… Jeito de
ser. -Ele respondeu. -A propósito, meu nome é Francis. E vocês,
quem são? -Ele levantou-se, e o falcão alçou voo, indo pousar na
Torre, mas sem desgrudar os olhos do dono.
-Me
chamo Alyson. -E, fazendo um sinal vago, apresentou os outros,
completando depois: -É um prazer conhecê-lo.
-Digo
o mesmo, mademoiselle. -Alegou Francis, pegando a mão de Alyson e
beijando-a, olhando em seus olhos, ardentemente.
Cloe
olhou de imediato para Ken, que fitou o céu com ares de “eu não
precisava ver isso” e pelas aparências, zangado. Sacha soergueu as
sobrancelhas, e Crós sacudiu levemente a cabeça, replicando:
-Jovens!
Alyson,
sem jeito, tirou a mão das dele.
-Mas
então, o que pessoas como vocês fazem aqui?
-Turismo.
-Responderam todos, ao mesmo tempo (não deixava de ser uma verdade,
em parte).
-Podem
dizer a verdade. Sei bem o que vocês não estão aqui para ver
maravilhas de arquitetura, ainda mais porque Crós está os
acompanhando. Conheço esse feiticeiro de longa data. Não é,
colega? -Alegou Francis, olhando para ele.
As
meninas e Ken se viraram no mesmo instante para Crós que, sempre
envolto em sua capa e seu capuz, não deixava ver a expressão de
surpresa que havia em seu rosto. De repente pareceu lembrar-se, pois
deu uns passos à frente e retirou o capuz, para a extrema surpresa
dos seus acompanhantes. Isso porque seu rosto era a coisa mais
surpreendente que os outros viram: os olhos amarelos, de gato. Duas
grandes orelhas negras, um bigode felino, dentes afiados como de um
vampiro. Ele tinha aparência de vinte e sete anos, mas poderia ter
mais. Os cabelos eram negros lisos e compridos, presos em um rabo de
cavalo pequeno. Parecia mais meio gato do que a Alyson transformada.
-Uau!
-Deixou escapar Cloe, enquanto os dois se encontravam e davam um
abraço camarada. -Você diria que ele é um gato, Alyson?
-Nem
passou pela minha cabeça. -Confessou a garota, sem parar de olhar o
feiticeiro. -Era por isso que ele andava sempre de capuz.
-Gato
nos dois sentidos. Pena que é velho demais pra mim. -Contestou
Sacha.
-Sacha!
-Repreenderam os três.
-E
se verem ele? -Questionou Ken. Crós devia ter escutado, pois voltou
para ele o olhar e tranquilizou: -Fica frio. Tem uma barreira de
proteção aqui em volta que nos torna invisíveis a olhares comuns.
Porque não pensei nisso antes?
-Podem
explicar essa confusão toda, vocês dois? -Retrucou Cloe.
-Simples.
Francis é um feiticeiro de Diamante, como eu. É o guardião das
pedras mágicas.
-Um
guardião?
-Do
outro mundo?
-Aqui?
-Pedras
mágicas?
Ken,
Alyson, Cloe e Sacha perguntaram, sem entender.
-É,
um guardião. Que guarda algo. -Disse Francis, respondendo a pergunta
de Ken.
-Sei
o que significa. -Retrucou o rapaz, fechando a cara.
-Não
foi isso que ele quis dizer, Ken. -Avisou Crós. -Retornando as
explicações: Francis nasceu em Diamond, e é um viajante de
mundos. Deveria estar em Veneza, mas isso não vem ao caso agora.
Repetindo, ele é um feiticeiro poderosíssimo, como eu, e um
guardião competente. Quanto às pedras mágicas, são pedras que são
usadas para trancafiar um imortal. E a imortal em questão é
Haradja.
-A
assassina? -Perguntou Alyson, de imediato.
-A
própria. Pois, para o nosso azar, ela é imortal. São sete pedras:
rubi do fogo, quartzo do ar, topázio da terra, água-marinha da
água, diamante de luz, Ametista das trevas e berilo das asas.
Contida em cada uma delas está uma criatura mágica. Todas elas
juntas formam a pedra da guerra, que pode prender Haradja em seu
interior pelo tempo que a pessoa que estiver controlando-a desejar.
-Que
ótimo. Tenho que deter uma assassina sanguinária, cruel e muito
forte, e advinha: ela é imortal! -Enumerou Alyson, de mau humor, e
completando, sarcástica: -Estou adorando isso!
-É
melhor esfriar um pouco. -Ponderou Crós.
-É
sério, Crós, como você espera que eu bata de frente com uma
imortal? Não consegui nem vencer você!
O
feiticeiro olhou-a de cima a baixo contrariado e alegou: -Vou
considerar isso como um elogio.
-Não
foi isso que eu quis dizer. -Ela se desculpou. -Se eu não consigo
ganhar dos mortais, quem dirá de alguém que não pode morrer?
-Para
isso serve as pedras. Acha que as temos só por esporte?
-Mas
como vocês as conseguiram, falando nisso? -Questionou Ken,
interrompendo Alyson, que ia responder, e muito mal.
-Com
um pouco de sorte, eu acho. Essa história vai ficar para um outro
dia. -Emendou o meio-gato, dando um bocejo. -Não podemos demorar
muito por aqui. Não querem dar uma volta antes de partirmos?
-É
uma boa... - Cloe foi interrompida por um pio agudo do falcão de
Francis, que desceu do seu observatório suavemente e pousou no braço
estendido do dono.
-O
que foi, Hunter? -Interrogou Francis. A ave bateu furiosamente as
asas por alguns segundos e piou outras vezes, tão agudamente que
Alyson e Cloe precisaram tapar os ouvidos, por serem as duas com a
audição mais sensível. Hunter finalmente calou-se, começando a
movimentar a cabeça, fitando todas as direções possíveis.
Cloe
destapou os ouvidos. -O que foi isso?
-Estamos
sendo cercados. -Respondeu Francis, acariciando o passaro, para
tentar acalmá-lo.
-Pelo
quê, exatamente? -Perguntou Crós, vendo o colega puxar uma besta de
uma grande mala, abaixo da mesa.
-Avantesmas.
-Ele respondeu, completando: -Deixam os animais muito nervosos.
Afinal, animais são... Muito sensíveis a presenças ruins.
-Avantesmas?
-Questionou Cloe.
-Espectros...
Das trevas. São comuns por aqui. Não são um problema muito grande.
-Explicou Francis, colocando uma flecha prateada na besta e
virando-se para os outros. Hunter, que repousava no ombro dele o
tempo todo, alçou vôo e ficou rodeando o grupo, lá em cima.
-Estariam
do lado de Haradja? -Crós perguntou, olhando para a tropa de
avantesmas que chegava mais perto. Eram sombras que tomavam forma
humana, de olhos vermelhos e cimitarras nas mãos. Alyson reconheceu
prontamente o que era aquilo que passara ao seu lado minutos antes.
Já Ken também reconheceu a sensação maligna tomar novamente conta
de seu corpo.
-Se
estiverem, aí sim estaremos com problemas sérios. -Disse Francis,
finalmente respondendo a pergunta de Crós.
Alyson
fez uma careta e, instintivamente segurou o cordão, dando um passo
atrás e se transformando. Sentiu seu corpo ser tomado por
expectativa. Como se a guerra a convoca-se. Um desejo latente e
selvagem de lutar, de brandir uma espada, de despedaçar seus
inimigos. Estava começando a libertar o felino que residia em seu
interior.
Francis
jogou para ela dois bastões metálicos de meio metro. A jovem
pegou-os e olhou para ele, que deu um sorriso e alegou: -Para não
despedaçarem o seu lindo rosto.
Ela
franziu levemente as sobrancelhas. Como se precisasse. Agradeceu com
um aceno de cabeça e rodou os bastões entre os dedos. Eles se
abriram em dois leques, de pontas aguçadas, lados afiados e
revestidos por prata. A garota se surpreendeu, parou o movimento e
olhou para as armas, e depois para seu dono. Este devia estar se
divertindo com a cara que ela fez, pois deu uma risadinha e garantiu:
-É quase indestrutível. Palavra de escoteiro.
-E
você foi escoteiro?
-Nos
tempos remotos da minha existência. -Ele proferiu, como se estivesse
decepcionado.
Ela
se perguntou quantos anos ele teria e como deixar claro, sem o
magoar, que não estava interessada.
E,
como uma onda descomunal, como uma tempestade de areia... Os
avantesmas atacaram. Foi o tempo de Ken puxar a espada e atacar o
primeiro que ameaçou decepar sua cabeça. Mas verificou a pura e
dura realidade. Por mais que cortasse aquela coisa, mais rápido ela
se regenerava, e mais forte ficava. A espada só o defendia dos
ataques das cimitarras. Grande coisa. Ia acabar morto, estraçalhado
por aquelas coisas. Será que comiam carne humana?
Alyson
já tinha vários corpos aos seus pés quando percebeu o problema de
Ken. Também, ele era o único que estava a vista. Todos os outros
estavam longe demais para serem distinguidos do lugar em que ela
estava. Fitou o jovem por um longo momento enquanto evitava outro
golpe. Tateou o interior do bolso do casaco que usava. Seus dedos
tocaram algo como uma corrente. Ela puxou. Era uma corrente fina, de
prata, com um pingente, do mesmo material, em forma de um gato.
Imediatamente deu um grito: -Ken! Pega! -E atirou o cordão para ele.
No mesmo instante os avantesmas que estavam ao redor dele se
afastaram. Foi ai que Ken percebeu... Que a única coisa que eles
temiam, e que poderia matá-los... Era a prata. Reconhecia aquele
cordão. Foi o presente que ele deu para Alyson no seu aniversário
de dezessete anos. Cloe tinha razão. Ele era, realmente, muito
burro. Sorriu para a garota em retribuição e sentiu o sangue gelar
quando um avantesma chegou atrás dela... E foi recebido com um soco
no meio da cara. Ela estava mais atenta do que parecia. Ken deixou
escapar um suspiro de alivio, e amarrou a corrente no punho,
distribuindo socos eficazes para todos os lados.
Agora
a jovem estava preocupada com os outros. Uma grande explosão abriu
caminho para o seu lado esquerdo. Um susto tremendo, aliás. Devia
ter sido Crós. As meninas deviam estar com ele, ela viu quando a
tropa atacou e crós as puxou para trás de si. Droga.
Desconcentrou-se pensando nisso, e logo outro avantesma fez um
movimento com a cimitarra. Ela virou-se bem a tempo de ver uma mão
prateada com grandes garras atravessar o peito da coisa, fazendo-a
largar a cimitarra e despencar no chão. Qual não foi a surpresa de
Alyson ao ver que a dona da mão era Cloe... Agora com duas orelhas
pontudas de lobo e uma pequena cauda. E, para completar, um cordão
pendurado no pescoço, com uma lua crescente e azulada como pingente.
-Como
é que você...
-Não
faz pergunta difícil agora não. -Retrucou Cloe, mostrando as mãos,
cobertas por uma luva de prata. -Gostou da luva? Peguei no arsenal do
Francis, acho que ele não vai se importar...
-E
a Sacha?
-Já
pedi para não fazer perguntas difíceis. Mas deve estar com o Crós.
-Bom
saber. -Alegou Alyson, cortando a cabeça de um espectro, enquanto
Cloe transpassava outro com suas garras (e a ajuda da luva de prata,
claro).
Cloe
olhou ao redor: -E o Ken?
-Também
não posso responder perguntas difíceis agora. -Zombou a garota,
completando: -Deve estar por ai, socando algum avantesma
desprevenido...-Ela não terminou de falar. Algo bateu em sua cabeça
com muita força, fazendo com que ela desmaia-se. A parte detrás de
uma cimitarra, na realidade. Cloe amparou-a na queda, vendo suas
próprias mãos sujas de sangue. Com certeza não era o sangue dos
avantesmas que ela tinha matado, visto que este era vermelho vivo, e
o das criaturas era preto como carvão.
-Droga.
-Xingou Cloe, olhando ao redor, procurando ajuda. Procurando por Ken.
Já não havia tantos avantesmas, mas os que restavam formavam um
circulo em volta delas, enquanto os outros cercavam os amigos delas,
o que dificultava a visão. O circulo foi se fechando, mas as coisas
não atacavam. Esperavam as ordens de um mundo distante, para acabar
com a raça daquelas duas. Uma ordem, talvez, de Haradja.
Cloe
engoliu em seco. Não havia como sair dali. Se soltasse Alyson para
atacar, matariam ela. Se ficasse ali parada, matariam as duas. Fechou
os olhos, para pensar ou para não ver a cimitarra degolando-a, quem
pode saber? Pois um avantesma ousou se rebelar contra as ordens, e
levantou a arma para começar a chacina. A jovem ouviu um baque surdo
e abriu os olhos, para ver o estrago que o seu salvador fez com um
simples gancho de direita. Os outros seres que estavam ao redor
tiveram o mesmo destino. Ken parou de pé na frente dela finalmente,
transpirando, o rosto transbordando preocupação: -Você está bem?
-E, agachando-se ao lado do corpo inconsciente de Alyson: -Ela está
bem?
-Não
sei, acertaram ela... Está sangrando. E muito.
A
jovem voltou a si aos poucos e olhou de um para o outro, franzindo o
cenho. -O que houve?
-Algum
avantesma idiota acertou você. -Explicou Cloe. -Na cabeça.
-Percebe-se.
-Retrucou, sentando-se com a ajuda dos dois e alegando: -Agora eu sei
o que os gongos sentem quando batem neles.
-Você
está bem?
-Estou,
Ken, estou. A minha cabeça que está doendo e sem contar que estou
vendo tudo girar, mas vou sobreviver.
Um
outro estrondo abalou o lugar. Os últimos avantesmas foram
destruídos por Francis e por Crós. Onde estaria Sacha?
A
jovem gatinha, apoiada por Ken e Cloe, conseguiu se levantar. Seus
olhos passaram pelo campo. Os corpos dos seres mortos estavam se
desfazendo em uma poeira negra e agourenta. Ela avistou Francis e
Crós mais a frente, curvados sobre o que parecia ser um fosso muito
fundo. Sem entender, caminhou até lá, seguida de perto pelos outros
dois amigos, que estavam atentos para o caso dela desmaiar outra vez.
O
fosso era obra de uma das explosões de Crós. Este passava a mão
pelos cabelos, agora soltos e bagunçados, e fitava o buraco. Francis
buscava uma atitude impassível, mas de vez em quando fazia uma
careta, que poderia ser tomada como sorriso por quem estivesse
prestando atenção.
-O
que houve? -Perguntou Cloe, quando os três se juntaram a eles.
Alyson se aproximou do fosso, curiosa.
-Ela
caiu. -Foi a resposta de Crós. Francis desistiu de segurar o riso e
se afastou, por educação. Sacha estava dentro do fosso, coberta de
lama, e completamente despenteada, fitando os outros com cara de
poucos amigos. Os cabelos estavam mais escuros que o normal, asas de
águia pequenas e delicadas saiam das suas costas e tinha uma cauda
empenada típica daquela ave. Um cordão vermelho, em forma de flor
de lotos, adornava seu pescoço, a retina dos seus olhos parecia ter
aumentado, lembrando as de um falcão. Uma tiara de penas
vermelho-fogo cintilavam em sua testa.
-Você
também? -Retrucou Alyson, lá de cima.
Sacha
afirmou com a cabeça levemente e choramingou. -Sou a metade de um
passarinho ambulante!
-Tecnicamente,
você é metade águia. -Gritou de volta Cloe, segurando o riso.
-Podem
me tirar daqui?
Alyson
olhou para Cloe. -Vou fingir que não ouvi isso.
-Idem.
-Vocês
vão ficar ai batendo papo ou vão me ajudar?
-Sacha,
sua besta cúbica, você tem asas. Use-as! -Explodiu Alyson, já
começando a perder o resto de paciência que ainda tinha.
-Ora,
não precisa ser tão grossa.
-Não
estou sendo grossa. Você ainda não teve a oportunidade de me ver
assim, ouviu? Agora sobe logo.
Sacha
fez cara de contrariada e subiu como um raio. Chegando lá em cima,
se transformou novamente em humana. -Sinistras aquelas coisas, não?
-Sinistras
é apelido. -Comentou Alyson passando a mão pelo machucado recente e
descobrindo, com amargura, que continuava a sangrar.
-Acho
melhor ficarmos um pouco mais por aqui. Este corte está feio, Ly, e
mesmo que eu consiga curar com magia você vai precisar de um pouco
de repouso, antes de partirmos para a Inglaterra. -Optou Crós.
Alyson
franziu as sobrancelhas. “Até tu, Brutos?”. -Mas você não
estava com pressa?
-A
sua saúde é o foco agora. Se for voar nestas condições isso pode
evoluir para algo mais grave. As armas avantesmaris são
terrivelmente tóxicas. E creio que vamos chegar encima da hora
mesmo.
-Encima
da hora para quê? -Questionou Ken.
-Para
a prova de recrutamento da Equipe Black.
-Perdão,
mas... Eu não entendi. -Alegou Alyson.
-Está
ficando surda? -Perguntou Sacha. -Até eu entendi.
Ela
percebeu o toque de zombaria na voz de Sacha e se defendeu. -Tem que
dar um desconto, gente, eu acabei de levar uma pancada na cabeça,
minhas faculdades mentais ainda estão meio embaralhadas.
-A
Equipe Black estará fazendo uma prova amanhã para o recrutamento de
mais guerreiros. -Crós parou, vendo a cara de Francis, que se
juntava ao grupo. -Precisamos de ajuda, oras.
-A
Iris, pedindo ajuda... Recrutando guerreiros por meio de uma prova?
-Questionou Francis, pausadamente.
-Foi
ideia dela... Eu acho.
-Da
Iris?!
Crós
respondeu afirmativamente com a cabeça, e Francis deu de ombros,
comentando: -Eu sumo por cinco anos e as coisas ficam de pernas para
o ar.
-Suponho
que nós três não precisaremos fazer a prova para acompanhar a
Alyson, certo?
-Suposição
errada, Ken. Vocês terão que passar pela prova como todos os
outros, mesmo sua amiga já sendo um membro honorário da Equipe.
-Eu
sou, é? -Questionou a garota, passando as mãos pelos cabelos, como
quem diz “não pode estar falando sério”.
-Digamos
que sim. Mas não se preocupem com isso, a julgar pelas suas
performances no campo de batalha, eu acredito que vão se dar bem.
-Sério?
-Perguntou Cloe, vendo isso como um elogio.
-Tenho
fé nisso, pelo menos. -Confessou o feiticeiro, fazendo os três
trocarem olhares apreensivos entre si. Alyson olhou para eles de
forma zangada e virou-se para Crós: -Suponho que eu possa dar um
apoio, digamos... Moral, nessa prova.
-É...
Não.
-Então
eu vou ter que ver as minhas amigas e o meu namorado...
-Namorado,
é? -Questionou Crós. A mesma pergunta passou pela cabeça de Ken,
com uma leve esperança. Cloe fez uma cara de surpresa, Francis
sentiu uma pontada de decepção e Sacha, que não estava prestando
atenção na conversa, pensou em: “o que?”.
-...conhecido...-Ela
corrigiu, antes que o estrago piora-se, continuando: -...se matando
para passar numa prova...de braços cruzados?
-É
bem por ai.
-Veremos.
-Ela retrucou, com tom de desafio.
-Enfim.
-Continuou Crós, sustentando o olhar. - Essa prova será amanhã. E
eu preciso estar presente, pois vou coordená-la. Junto com Iris,
claro.
-Quem
é Iris, afinal? -Questionou Cloe.
-É
a atual líder da Equipe Black. -Objetou Francis, levantando o braço.
Hunter despencou das alturas e planou para pousar na mão estendida.
-Agora
vem, fedelha, vou fazer um feitiço para curar esse ferimento, antes
que você acabe indo parar no hospital por perda de sangue.
~Kit Black
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